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Discussões comerciais relacionadas a assuntos do setor automotivo

Com o aceno de Luiz Inácio Lula da Silva aos vizinhos, exportações, investimentos e organização intergovernamental voltam à pauta


Bruno de Oliveira, AB

A presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no encontro da Celac, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, representa uma oportunidade para o país retomar assuntos ligados ao setor automotivo que há algum tempo ficaram esquecidos em Brasília (DF). O evento aconteceu na Argentina, na semana passada, e também contou com solenidades no Uruguai.

Foram cerca de quatro anos fora do grupo que reúne as lideranças regionais, uma escolha da gestão federal anteriorque acabou afastando o Brasil das discussões comerciais na região, o principal mercado para a exportação de veículos nacionais. Agora, com o aceno do novo governo aos vizinhos, comércio local, investimentos e Mercosul voltam à pauta. 

A seguir, elencamos alguns potenciais benefícios da reaproximação para o setor automotivo.

1. Direcionamento de investimentos

As matrizes das montadoras instaladas na região enxergam a América do Sul como um único mercado, com potencial para vendas da ordem de 5 milhões de unidades/ano. O volume por si só justifica produção local, assim como os investimentos.

Por outro lado, eventuais descompassos no comércio entre os países, principamente tributários, podem gerar efeitos desagradáveis como, por exemplo, levar as fabricantes a investirem em localidades onde taxas e tarifas são mais interessantes.

Brasil e Argentina, principais nomes do Mercosul, ainda constituem os grandes destinos dos aportes da montadoras na região, mas a presença do México, que também tem um parque produtivo importante, assombra as operações locais uma vez que proporciona um ambiente tarifário menos complexo e, em muitos casos, pode garantir condições mais competitivas.

Uma vez configurado como um bloco comercial coeso, e falando a mesma língua em questões tributárias, o Mercosul consegue manter e fortalecer a atratividade aos olhos daqueles que investem na indústria local.

2. Acordo Mercosul - União Europeia

As conversas entre os membros do Mercosul em uma mesma linguagem também favorecem a boa condução do acordo comercial que a região há anos costura com a União Europeia, que pode trazer oportunidades de exportação de produtos manufaturados na América do Sul à Europa sem incidência de imposto de importação.

"Cada empresa já está analisando e digerindo os dados preliminares do acordo. Qualquer projeto a partir de agora vai levar o acordo em consideração, porque é isso que vai definir onde serão aplicados novos investimentos”, disse Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea à época do fechamento do acordo, em 2019.

Naquele momento foram desenhados projetosque simulavam a tributação ideal a ser praticada no país no contexto do acordo com a UE. O cenário ideal incluia simplificação tributária no Mercosul para trânsito de partes e peças e também a criação de um imposto federal único, o IVA. Nada avançou nos anos seguintes até por causa da pandemia de Covid-19, mas os planos podem evoluir neste momento.

"Em bloco, os países da região têm mais força para negociar com outros grupos. Nenhum dos integrantes tem poder o suficiente para conversar sozinho com mercados desenvolvidos", diz Marcus Ayres, consultor da Roland Berger.

3. Exportar mais e para diferentes mercados

As exportações ajudaram as fábricas instaladas aqui a manter a produção de veículos em níveis razoáveis em épocas de crise, compensando as perdas de volumes no mercado doméstico. Isso aconteceu recentemente, em 2017, e desde então se tornou comum dentro do setor ao ponto de interlocutores pregarem que o Brasil precisava fechar acordos comerciais com mais países.

Um discurso que não apenas denota o objetivo óbvio de se vender mais veículos, mas também representa uma certa vontade das fabricantes de diminuir a dependência que o Brasil tem com relação à Argentina no campo das exportações. Em tese, ao voltar a interagir politicamente com outros países na região, o Brasil contribui para que montadoras e fornecedores instalados localmente destravem novas fronteiras comerciais.

"De uns anos para cá, o país perdeu relevância nas exportações de manufaturados e o Mercosul volta a ser uma alavanca de recuperação", lembra Ayres. Segundo ele, o relacionamento mais estreito entre o Brasil e os países vizinhos é uma boa notícia para toda a cadeia de valor. Ele reforça que a perda para a indústria é grande caso esse movimento não aconteça.

"Se não voltarmos a ser relevantes na região, o próximo mercado que pode proporcionar os mesmos volumes daqui está a mais de 15 mil quilômetros, o que torna a situação um pouco mais complexa", completou.

4. Padronização veicular

Outro assunto que ficou esquecido em Brasília com o afastamento do país das discussões regionais foi a padronização veicular. Por causa das diferenças normativas que existem hoje entre Brasil e Argentina, por exemplo, as montadoras precisam investir mais em laboratórios e testes de homologação exigidos para que manter o fluxo de exportações de veículos.

"Já existem alguns acordos firmados sobre padronização de alguns itens de segurança, acordos fechados por meio da Secretaria Nacional de Trânsito, a Senatran. Mas ainda há muito mais a ser feito", explica Marcus Vinicius Aguiar, presidente da AEA, a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva.

Um pleito antigo das montadoras, neste caso, é que automóveis possam sair de fábrica com especificações técnicas comuns, o que, na prática, significa redução de custo operacional das empresas instaladas na Argentina e no Brasil, por exemplo

5. Protagonismo regional

Por fim, voltar a dialogar com os países vizinhos representa também a oportunidade de aparar arestas que foram aparecendo nos últimos anos dentro do Mercosul. Sobretudo com o Uruguai, país-membro do bloco que se sente com pouco poder de decisão dentro do grupo e, por isso, acena para acordo bilaterais com outras nações, principalmente a China.

A medida expõe que o Mercosul possui pontos fracos que precisam ser discutidos. Com isso, manter os participantes engajados nas causas comerciais do bloco ganha relevância na pauta externa do Brasil, que historicamente desempenhou o papel de principal fornecedor de produtos industrializados na região.

"O Brasil pode financiar o crescimento econômico no Mercosul assim como a Alemanha fez com a criação da zona do euro, sabendo que seria um dos principais expoentes econômicos do bloco", analisa Ayres, da Roland Berger.

Com o Uruguai e outros países seguindo o caminho do mercado aberto, o produto brasileiro passa a competir com o feito em países conhecidos pelos preços mais atrativos.

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