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Paradigmas Das Diferenças De Gênero No Contexto Organizacional

O profissional de sucesso mesmo é aquele que consegue desenvolver e equilibrar o masculino e o feminino que tem dentro de si, independentemente de ser homem ou mulher


O mundo dos valores masculinos (poder, conquista, competição) é diferente do mundo dos valores femininos (desejo, convivência, cooperação). Compreender isso tem sido tão difícil que necessitamos inventar a cada pouco uma "teoria" para explicar a diversidade que nos é inerente.  Quem não ouviu falar daquela história que homens são de um planeta e mulheres de outro? De fato, somos todos daqui mesmo, feitos da mesma matéria, com angústias, com falhas, com necessidades diversas, porém, complementares.
Há cerca de um século, o pai da psicanálise, Freud, se considerou inapto para responder a uma questão: o que quer uma mulher? Qual é o homem que ainda não se perguntou isso? A resposta é tão óbvia que já está na própria pergunta: uma mulher quer! Quer sempre alguma coisa: uma roupa nova, um cabelo diferente, trocar os móveis, uma casa maior, um filho. É da essência do feminino o querer. E foi justamente esse querer, essa garra feminina, que determinou grande parte da revolução social e econômica dos últimos séculos.
Os especialistas de todas as áreas são unânimes em afirmar: a transformação da mulher vem transformando o mundo. Inclusive vem contribuindo para um dos maiores problemas sociais do século XXI: a crise de identidade do homem.
Durante muito, muito tempo, duvidamos que uma mulher pudesse governar um país. Havia funções para homens e funções para mulheres. Ponto. Sem falar de uma época, não tão distante, em que uma mulher não era considerada legalmente capaz, cidadã, para ter direito sequer ao voto. Justiça seja feita, acima das ideologias partidárias, a nossa presidente não tem feito nada pior que os muitos homens que lideraram o Brasil. Aliás, talvez esteja fazendo muito melhor.
"As mulheres vão dominar o mundo no futuro. Elas são craques em fazer um monte de coisas ao mesmo tempo", foi o que disse Tom Peter. E acho que constatações como essa têm dado muita dor de cabeça porque as competências profissionais de hoje estão cada vez mais voltadas para as habilidades, historicamente, vistas como femininas: capacidade de relacionamento, polivalência, trabalho em equipe; uso da motivação e persuasão ao invés da ordem e do controle; cooperação no lugar de competição e por ai vai.
A sensibilidade, o planejamento, a integração e a organização feminina é algo fantástico. Vamos pensar em coisas simples: quando uma mulher arruma a bagagem para ir para a praia, certamente, não vai faltar nada. Ela pensa do protetor labial até a roupa certa para casa dia. Para ela e para a família toda. Quando um homem arruma a mala, pode faltar até o calção de banho para ele mesmo, porque não há muita percepção aos detalhes, não há planejamento para as sutilezas. Se faltar alguma coisa ele compra, porque ele "pode" comprar! E, se duvidar, quando "ele" está pronto ele está indo, senta-se no carro e que venha bem rápido a bagagem, a mulher, as crianças. Cooperação é quase sempre algo que o homem espera dos outros em direção a si mesmo.
É não é tão simples parafrasear Freud e perguntar: então o que quer o homem?  A questão dirigida ao masculino é outra: o que pode um homem?  A essência do masculino é o poder.  Um homem precisa sempre estar se convencendo da sua potência social, sexual, financeira. Para se sentir vivo precisa estar comandando, dirigindo, competindo por qualquer coisa: por mais status, por dinheiro, por um carro novo, por dar a última palavra, pela mulher mais linda ou por uma simples bola de futebol.
Não sou favorável a um discurso tendencioso em prol das mulheres porque a mulher está tão pressionada quanto o homem. E há mulheres e mulheres! Basta ligar a tv para constatar que nem todas são adeptas da autonomia que liberta do desejo de serem tuteladas, a custa de se transformarem até em frutas tropicas se for necessário, apelando para o que há de mais grotesco na cultura machista.
Mesmo mulheres que estão em outro contexto, construindo dignamente a sua trajetória rumo ao desenvolvimento pleno, também não são boas em tudo (felizmente!). Dê um carro para uma mulher ir para o litoral, por aquele caminho que já passou 197 vezes, verdade seja dita, ela é capaz de se perder. Ela vai chegar, lógico, não é uma limitação, só não se sabe exatamente quando. Não é que a mulher seja incapaz, que dirija mal, nada disso. Mas há mais chance de lhe faltar localização espacial, capacidade de foco e síntese. 
Certas peculiaridades de cada gênero, estigmatizadas pelo senso comum, têm uma possibilidade maior de estar presente num e não no outro, devido tanto aos estímulos ambientais recebidos na infância quanto aos traços ligados a aspectos neuroquímicos de cada gênero sexual. Possibilidade totalmente permeável à mudança, por meio da estimulação e desenvolvimento do que queremos em nós mesmos. Preferencialmente é para encarar essa diversidade com bom-humor e aceitar a nossa incapacidade para sermos naturalmente perfeitos, completos, de cada um se bastar por si. Isso ajuda a reconhecer o quanto a cooperação e a complementação são necessárias na vida de homens e mulheres. E mais: o quanto precisamos exercitar modos de perceber o mundo e circular nele diversificando nossas estratégias, saindo do padrão classicamente atribuído ao "azul" ou ao "rosa". 
De fato, as mudanças que a condição feminina vem produzindo na cultura não são resultantes de uma decisão racional ou fruto de um planejamento feminino brilhante para evoluir e ocupar lugar no mundo, até então masculino. As mudanças femininas que repercutiram de forma contundente no contexto social no mundo todo vieram da realidade dura. Resultam da necessidade da mulher anônima e simples sobreviver, tocar a vida, preocupada em ir à busca de soluções para o dia-a-dia. Na prática, isso significa, por exemplo, que o sujeito que ela paparicou por anos foi embora de casa, ou ficou desempregado, ou ela se encheu da boa vida dele e o pôs para fora, ficando com três, quatro filhos para alimentar e cuidar. Ia ficar sentadinha chorando? Ia voltar para casa da mãe tão miserável quanto ela? Não, mesmo. Esse tipo de mulher batalhadora foi à luta, ela não teve a possibilidade de ficar esperando a vida mudar. Ela quis outra vida. E abriu caminho para a vida que nós, mulheres ocidentais, temos hoje.
Este é o "querer" feminino que tem mudado a história: quando a mulher precisa trabalhar e se só tem vaga para faxineira, para servir café, ou para ganhar um salário mixo, ela vai. Porém (e aí está a grande diferença da mulher!), ela vai se preparar para subir, estudar, aproveitar cada brecha que surgir em um esforço invejável para contornar obstáculos. Basta ver que os números dos anos de escolarização feminina e masculina na população são muito diferentes. Mesmo as mulheres tendo tido um atraso imenso por conta da não permissão social ao acesso à alfabetização e à escola, a trajetória feminina em termos de aquisição de conhecimento formal já ultrapassou a posição dos homens em todos os lados do planeta.  A mulher tende a querer ir além, não se acomoda, ela corre por fora, em uma postura visionária e empreendedora.
Já para o homem nem sempre esta garra está presente: se ele está empregado ganhando um salário razoável, está bem; final da tarde, ele quer sossego, os amigos, o futebol. Imagine se a maioria deles vai se meter numa sala de aula, imagine se ele vai ficar se "rebaixando" fazendo uma tarefa menos qualificada?
O excesso caricatural na descrição que acabei de fazer foi de propósito para enfatizar que a mulher está levando mais vantagem no mercado de trabalho, embora não tenha o melhor salário, porque ela tem mais jogo de cintura nas relações sociais, profissionais e familiares do que o homem.  Historicamente reconhecida como fraca ela não tem constrangimento em reconhecer que é frágil, e com isso vem se fortalecendo, aprendendo a se superar.
Esse tipo de realidade pode ser um grande problema para um sujeito que foi educado com a noção, às vezes bem subliminar, de que fragilidade e sensibilidade são equivalentes de fraqueza. O homem, então, finge aguentar tudo, mergulhando sem limite no trabalho, se isolando nos bares, nos grupos de parceiros, nos múltiplos relacionamentos sexuais, fugindo das relações mais profundas e do feminino que tem dentro de si. Parece poderoso, feliz, realizado, mas não é bem assim que se sente quando deita no travesseiro ou quando a vida lhe impõe uma exigência mais especifica como ser pai, por exemplo.
O mundo realmente mudou muito e continua mudando. Mas o modelo de vida que impera ainda é o masculino, cheio de dissociações, onde as coisas não se integram realmente. E as mulheres, sem perceber, são cúmplices nessa segregação. As mulheres, mesmo essas bem sucedidas, centradas, autônomas, são traídas pelos valores culturais, discriminatórios e injustos que perpassam gerações. Conscientemente, lutam por criar filhas e filhos com outra mentalidade, menos fragmentada em noções masculinas e femininas. Mas, inconscientemente, ainda reagem à forte carga cultural e social que marcou o papel milenar da mulher na família e na sociedade, como uma figura coadjuvante, menos perfeita, incapaz para exercer funções nobres.  Nós ainda temos muita dificuldade, quase sempre inconsciente, ou seja, não percebida, para deixar o pai cuidar do bebê, para aceitar que uma menina não precisa ser a "princesinha" ou que o marido pode voltar para casa ao final do dia antes que nós sem precisar explicar que é um "trabalhador de verdade" e que ele pode ir preparar o jantar. Ou que o filho, não apenas a filha, deve aprender a gerir a sua sobrevivência doméstica (lavando, limpando, cozinhando).
Podemos nos iludir que já não é assim e que a educação está muito diferente, mas se aferirmos os resultados depois de alguns anos veremos que continuamos tendo muito do mesmo, nos repetimos através das gerações. Basta olhar a precocidade e ansiedade com que as meninas estão se tornando "mulherzinhas", na quantidade de maquiagem que garotas de 9, 10 anos carregam na bolsa. Produtos comprados com o dinheiro de suas modernas mamães, sob o olhar complacente ou omisso ou negligente quanto ao rumo da educação dos filhos dos tradicionais papais. Afinal, onde está a tal "mudança dos tempos", se continuamos a transmitir valores que transbordam a mentalidade machista.
Na antiguidade, acreditava-se que as crianças nasciam de uma virtude feminina, sem a participação dos homens.  Hoje é possível à mulher procriar sem a presença masculina real. Os alarmistas dizem que é a base fisiológica para um novo matriarcado. Os especialistas, por sua vez, apontam que se isso não for observado criticamente nós vamos entrar numa fase de "homossexualidade hegemônica": ou seja, a mulher só vai se relacionar com mulheres porque sente que os homens têm pouco a dizer e a compartilhar.
Infelizmente, sou obrigada a admitir que uma boa parte das amigas e conhecidas que tenho nutrem uma profunda frustração com os parceiros masculinos! E estes, em sua maioria, acuados, lutam pela sua autoridade, superioridade e decência "masculinas", com a busca de relacionamentos cada vez mais estapafúrdios. Ambas as situações, representam um retrocesso para a humanidade, porque mudamos de fato muito pouco e seguimos com a segregação de gêneros sexuais: apenas inverte-se a posição de quem domina. Perdemos nisso a riqueza da pluralidade, da diversidade, da soma das diferenças.
Para haver evolução é necessário o desapego aos critérios arcaicos que direcionam as políticas e as relações humanas, onde se divide mente e corpo, homem e mulher; saúde e doença por meio de padrões medíocres, estabelecidos visando interesses escusos.  A quem diga, por exemplo, que toda a "iluminação" de Maomé para criar o Alcorão, o maior símbolo contemporâneo da arbitrariedade masculina, foi inspirada na sua incapacidade para tomar conta de própria vida, após a perda da "esposa-mãe". De lá pra cá, ainda estamos vivendo em uma Era onde se considera tratar pneumonia uma necessidade, tratar doença mental um luxo; onde meninos devem ser machos e meninas devem servi-los, embora a roupagem que camufla isto esteja bem modernizada.  São crenças a serem revistas por quem se supõe empreendedor, senão ninguém liderará uma mudança efetiva que nos dignifique como humanidade.
A grande verdade é que os homens estão perdendo o poder, mas as mulheres ainda não o conquistaram. No Brasil as mulheres ganham em torno de 64% dos salários dos homens na mesma função; 75% das lesões por esforço repetitivo ocorrem em mulheres devido ao maior índice de ocupação feminina em atividades ligadas à rotina e à monotonia. Segundo a Organização Internacional do Trabalho o mundo corporativo só terá equidade entre mulheres e homens daqui a mais de 400 anos. Seja lá como foi feita essa estimativa, ela reflete uma triste constatação: estamos longe de um mundo que trata a todos com respeito.
A cultura patriarcal que imperou por séculos criou a "força" masculina e a "fraqueza" feminina, mas isso não deve seguir pautando a realidade objetiva. Há muito de feminino (frágil) nos homens e de masculino (força) nas mulheres. A pessoa requisitada no mundo de hoje, no profissional e no resto também, é aquela na qual convergem e se integram os valores e capacidades femininas e masculinas. É aquela que faz porque tem ambição, é focada, é assertiva, mas faz também porque deseja, tem prazer, se encanta com o que vai produzindo, se reconhece no contato com os outros. Nessa perspectiva, o profissional de sucesso mesmo é aquele que consegue desenvolver e equilibrar e o masculino e o feminino que tem dentro de si, independentemente de ser homem ou mulher.


Psicóloga; Psicoterapeuta; Consultora em Gestão de Pessoas; Docente e Educadora. Doutoranda em Psicologia PUCRS; Mestre em Psicologia Clínica/PUCRS; Especialista em Gestão Empresarial/FGV; Especialista em Psicoterapia Psicanalítica/UNISINOS; Perita em Avaliação Psicológica e Gestão de Equipes.
tarcia@dapsico.com.br / www.dapsico.com.br     

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