Dia Internacional da Agricultura Familiar destaca o papel estratégico das famílias agricultoras na produção de alimentos
Embrapa -
Em 2025, essa celebração coincide com outro marco importante: os 50 anos da Embrapa Cerrados, que ao longo de sua história tem contribuído ativamente
José Humberto Valadares Xavier
Carlos Eduardo Silva Santos
Suênia Cibeli Ramos de Almeida
Cynthia Torres de Toledo Machado
Altair Toledo Machado
Pesquisadores da Embrapa Cerrados
No dia 25 de julho é celebrado o Dia Internacional da Agricultura Familiar, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2014, para destacar o papel estratégico das famílias agricultoras na produção de alimentos, no desenvolvimento rural e na sustentabilidade dos territórios. Em 2025, essa celebração coincide com outro marco importante: os 50 anos da Embrapa Cerrados, que ao longo de sua história tem contribuído ativamente para o fortalecimento da agricultura familiar e a construção de alternativas sustentáveis para o campo brasileiro.
Na região dos Cerrados, segundo dados do Censo Agropecuário de 2017, cerca de 600 mil estabelecimentos agropecuários são conduzidos por agricultores familiares, conforme definição da Lei nº 11.326/2006. Esses estabelecimentos representam aproximadamente 70% do total de propriedades rurais do bioma, ocupando 20,2 milhões de hectares — o que equivale a 25% da área total. É importante considerar, no entanto, a diversidade dos estabelecimentos familiares. Eles vão desde aqueles com reduzida incorporação aos mercados, que praticam uma agricultura pouco dependente de recursos externos e são voltados basicamente ao sustento da família, até explorações diretamente integradas aos mercados agrícolas.
Do mesmo modo, os agricultores de base familiar enfrentam uma multiplicidade de desafios, que incluem tanto os recursos disponíveis nos diferentes agroecossistemas quanto as variadas situações socioeconômicas. Essas condições têm como consequência o fato de que tecnologias de produção, quando aplicadas de forma isolada, não são suficientes para resolver os reais gargalos da agricultura familiar. Dessa forma, torna-se necessário adotar enfoques de pesquisa que complementem as informações geradas nos centros e estações de pesquisa agropecuária. Essa complementação consiste, principalmente, em incorporar a abordagem do desenvolvimento rural sustentável e a participação ativa dos agricultores no processo de construção e adaptação de conhecimentos voltados à inovação.
O marco inicial da pesquisa para atender às demandas da pequena agricultura no âmbito da Embrapa Cerrados teve início em 1985, com o atendimento a uma demanda da então Empresa Brasileira de Extensão Rural (Embrater). A proposta era desenvolver um projeto voltado à elaboração de metodologias participativas de diagnóstico e intervenção junto a comunidades rurais, com foco no fortalecimento socioeconômico das famílias. É importante destacar que à época ainda não havia sido consolidado o debate político e teórico sobre a agricultura familiar como categoria produtiva, embora essa noção já fosse reconhecida internacionalmente sob o termo “agricultura camponesa”.
Dessa iniciativa foi elaborado o projeto “Convivência com os Cerrados”, motivado pela inquietação de pesquisadores da Embrapa Cerrados diante da constatação de que as tecnologias geradas não estavam atendendo às demandas da agricultura familiar. Foi justamente essa percepção que levou à proposta de implementação, nos diversos ecossistemas, de experiências de desenvolvimento rural com a abordagem de P&D voltada a esse público. Nessa perspectiva, além do desenvolvimento e adaptação de tecnologias nas condições reais dos agricultores, seria necessário atuar também no campo das inovações sociais, consideradas fundamentais para a própria mudança tecnológica.
Uma dessas experiências foi o projeto “Uso de enfoque de P&D para o desenvolvimento da pequena agricultura na região de Silvânia-GO”, conhecido como Projeto Silvânia. Esse projeto pode ser considerado pioneiro nos trabalhos com agricultura familiar na Embrapa Cerrados. Os resultados alcançados por ele, a incorporação de diversos pesquisadores na reflexão sobre estratégias para apoiar o desenvolvimento da agricultura familiar e a crescente importância deste segmento na realidade brasileira levaram à reflexão sobre a relevância institucional de conduzir projetos de pesquisa participativa em meio real desenvolvidos em comunidades de agricultores familiares, agregando a pesquisa temática e a pesquisa sistêmica.
Esses trabalhos, desenvolvidos em parceria com instituições de pesquisa, serviços de extensão rural e organizações de agricultores, baseiam-se na premissa de que o desenvolvimento rural só é possível com a participação efetiva das famílias agricultoras e de suas organizações. Não basta gerar tecnologias: é preciso articular inovações técnicas e tecnologias sociais, de modo que os próprios agricultores se envolvam nos processos de pesquisa, desenvolvimento, intercâmbio e construção do conhecimento, tornando-se protagonistas da inovação. Por isso, as ações desenvolvidas partem das condições reais em que se dá a produção agrícola, considerando as dificuldades e variáveis que influenciam as estratégias dos produtores, assim como valorizando o capital social como um dos elementos fundamentais na promoção do desenvolvimento.
Nesse sentido, destacam-se diversos temas, em função das demandas identificadas junto aos agricultores: manejo da agrobiodiversidade com enfoque agroecológico; pesquisa participativa (seleção, melhoramento e avaliação) de variedades de milho, feijão e mandioca (mesa e indústria); novos sistemas de cultivo; produção e manejo de forragens para rebanho leiteiro; gestão de equipamentos e estruturas coletivas; manejo sustentável de recursos naturais; sistemas de policultivos; aproveitamento e beneficiamento de frutos da flora do Cerrado; construção social de mercados pelos agricultores; métodos de apoio ao desenvolvimento da agricultura familiar; apoio à concepção de políticas públicas e ferramentas para seu acompanhamento; e construção do conhecimento por meio de abordagem etnopedológica.
Inovações técnicas e sociais
Os resultados obtidos pelos diferentes projetos desenvolvidos pela Embrapa Cerrados materializam-se em tecnologias, entendidas como transformação de conhecimentos científicos em produtos, processos e serviços de interesse da sociedade. Esse conceito amplo possibilita que os resultados apoiem a articulação de inovações técnicas e sociais com vistas ao desenvolvimento rural. (Veja quadro com exemplos de tecnologias para a agricultura familiar e o desenvolvimento rural, associadas aos tipos de inovação que apoiam).
É importante esclarecer que as tecnologias podem ser enquadradas de acordo com os processos de inovação nos quais foram geradas ou que pretendem apoiar: as chamadas inovações técnicas dizem respeito à forma de produzir, transformar ou explorar recursos naturais; já as inovações sociais referem-se a novas formas de organização do trabalho, acesso a crédito ou inserção de produtos nos mercados; enquanto as inovações institucionais envolvem regras e arranjos que regulam as relações entre indivíduos e instituições, muitas vezes vinculadas a políticas públicas.
Grande parte das tecnologias desenvolvidas ou adaptadas tem potencial para fomentar processos de inovação social, mas dois aspectos merecem destaque. Primeiramente, a necessidade da articulação entre as inovações técnicas e sociais, pois os trabalhos da área de agricultura familiar e desenvolvimento rural colaboram e recebem a colaboração das demais áreas técnicas de pesquisa voltadas à produção. Em segundo lugar, uma parcela de resultados se relaciona à contribuição na concepção e execução de políticas públicas. Neste caso, destaca-se a participação da Embrapa Cerrados nas comissões de formulação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), considerada a primeira política pública brasileira específica para este público.
Os aprendizados acumulados também contribuíram para a construção de outras políticas relevantes, como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). Mais recentemente, a Embrapa Cerrados tem colaborado junto ao Programa Mais Leite Saudável (PMLS) do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a partir de experiências construídas com atores locais no Noroeste de Minas Gerais. Finalmente, salienta-se que o conjunto de resultados foi gerado na perspectiva de apoiar estratégias de desenvolvimento sustentável com e para agricultura familiar.
Perspectivas diante dos novos desafios
O conjunto das ações implementadas ao longo desses anos reafirma o papel da Embrapa Cerrados como uma instituição comprometida com estratégias de desenvolvimento sustentável voltadas à agricultura familiar. E em um cenário de rápidas mudanças climáticas, sociais e econômicas, torna-se cada vez mais necessário que os agricultores familiares tenham acesso a alternativas sustentáveis e adaptadas às suas realidades. É nesse contexto que a pesquisa agropecuária precisa ampliar sua contribuição, oferecendo soluções que considerem cada vez mais a diversidade dos territórios e o protagonismo das famílias.
Entre os temas prioritários que se impõem na atualidade estão os sistemas de cultivo resilientes com práticas conservacionistas, sistemas de criação adaptados, beneficiamento de produtos, estratégias de recuperação de áreas degradadas (especialmente pastagens), diversificação produtiva, mecanização adaptada para aumentar a produtividade e diminuir a penosidade do trabalho, ferramentas e métodos para apoiar o fortalecimento da organização social dos agricultores, estratégias de inserção nos mercados e inclusão socioprodutiva. Além disso, torna-se estratégico pensar uma nova institucionalidade pública, capaz de fomentar políticas integradas que favoreçam a inserção dos agricultores familiares tanto na produção quanto nos mercados.
Por fim, é fundamental ampliar o uso dos resultados da pesquisa em ações concretas de desenvolvimento territorial. Para isso, três linhas de ação têm se mostrado prioritárias atualmente: atuar em processos de desenvolvimento rural em territórios escolhidos estrategicamente, nos quais a Embrapa Cerrados deve ser mais uma instituição de apoio; reforçar a capacitação de equipes de assistência técnica e extensão rural (ATER) na perspectiva de formar agentes de desenvolvimento rural; e aumentar a interação com as políticas públicas focadas na agricultura familiar.
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