Mercado de créditos de carbono deve crescer significativamente nos próximos anos
Agência MAVERICK 360 -
Após questionamentos à principal certificadora internacional desses ativos, empresas devem privilegiar iniciativas verificáveis
O mercado de créditos de carbono deve crescer significativamente nos próximos anos. Segundo estimativa da consultoria McKinsey, a demanda por esses ativos ambientais pode crescer 15 vezes até 2030. Isso porque cada vez mais organizações estão adotando ações para mitigar os problemas relacionados à mudança do clima. Nos países desenvolvidos, inclusive, já há obrigatoriedade para que os maiores poluidores reduzam ou compensem suas emissões. Para isso, essas organizações buscam créditos de carbono de qualidade.
Os créditos de carbono são certificados emitidos por uma organização ou empresa que atesta que determinado projeto mitiga, reduz ou remove da atmosfera gases causadores do efeito estufa. É a partir da certificação do projeto, com a posterior verificação dos ativos para um determinado período de creditação, que esses ativos ambientais podem ser gerados e, na sequência, transacionados no mercado. Entretanto, a principal certificadora internacional de créditos de carbono, que atende 78% do mercado voluntário de compensações, tem sido questionada em relação à qualidade dos ativos em alguns de seus projetos.
O CEO da certificadora Tero Carbon, Francisco Higuchi, doutor em Ecologia e Manejo de Florestas Tropicais (UFPR/INPA/ FFPRI Japão) e que possui mais de 15 anos de experiência em projetos de estimativa de carbono, explica que a qualidade dos créditos é dada pela sua confiabilidade. “Quem compra precisa ter a segurança de que o projeto entregou o que foi prometido, ou seja, que os créditos gerados contribuem com a mitigação dos problemas da mudança do clima. É necessário que tudo seja verificável, não só os valores, mas também as incertezas”, salienta.
Outro ponto destacado pelo especialista é sobre a objetividade dos critérios para avaliação dos projetos. De acordo com ele, a solução precisa ser simples e confiável. “A subjetividade de muitas metodologias que conhecemos abre brechas para variadas interpretações. Assim, simplificar o processo e ser claro em relação às exigências mínimas é essencial”, acrescenta Higuchi.
O CEO da Tero Carbon também ressalta que o mercado de créditos de carbono é reputacional e as empresas querem apoiar projetos com pouco, ou nenhum, risco de danos à imagem da organização. Por isso, as metodologias da Tero Carbon levam em consideração não apenas aspectos relativos ao meio ambiente, mas também econômicos e sociais, com critérios facilmente verificáveis. “O ser humano é quem dá sentido à sociedade que temos hoje e à forma como vivemos. Assim, de nada adianta ter um projeto interessante do ponto de vista ambiental, mas que infringe os direitos humanos ou afeta negativamente as comunidades tradicionais, por exemplo”, afirma o especialista.
Além do inventário florestal, os projetos que pleiteiam a certificação de créditos de carbono junto à Tero Carbon devem conter processos sustentáveis, incluindo questões de governança (como a situação fundiária regular) e o respeito às legislações ambiental, trabalhista, do uso da terra, entre outras. Segundo Higuchi, é muito importante que o projeto envolva positivamente o seu entorno. “Independentemente do tamanho da iniciativa, os aspectos socioeconômicos atrelados ao projeto também agregam valor aos ativos”, justifica.
A qualidade dos créditos de carbono ainda está relacionada à própria confiabilidade do ativo, uma vez que há denúncias envolvendo a duplicidade dos certificados. No caso da Tero Carbon, a empresa desenvolveu uma plataforma que utiliza uma série de dispositivos de segurança, alguns comumente utilizados pelo sistema bancário, para evitar problemas como esse. Com isso, confere-se transparência, rastreabilidade e integridade aos ativos gerados.
O registro e rastreio do ativo ambiental é feito por meio de NFTs (em inglês, Non-Fungible Tokens), que são disponibilizados na plataforma OpenSea, local onde os interessados podem encontrar as principais informações públicas relacionadas ao projeto e suas transações. A Tero Carbon ainda utiliza a rede pública Blockchain Polygon, para registrar as operações e evitar a dupla contagem dos ativos. A tecnologia blockchain armazena dados em blocos interligados em uma cadeia compartilhada. Não é possível excluir ou modificar a cadeia sem o consenso da rede, o que torna o mecanismo inalterável ou imutável.
Embora o processo de certificação da empresa seja realizado em ambiente digital, a auditoria também é realizada em campo. As informações fornecidas pelos detentores dos projetos são validadas em uma combinação de análises da equipe técnica in loco, imagens de satélite e dados obtidos de bases oficiais. O objetivo é atestar a veracidade das informações prestadas pelos desenvolvedores do projeto, evitando possíveis fraudes e danos à reputação das empresas que adquirem esses ativos.
Denúncias
Recentemente, a principal certificadora de créditos de carbono do mundo, a Verra, vem sendo alvo de denúncias. Segundo um estudo divulgado no ano passado pelo jornal “The Guardian”, pela revista alemã “Die Zeit” e pela ONG “SourceMaterial”, mais de 90% dos créditos de compensação de florestas tropicais de uma amostra da empresa não apresentaram reduções genuínas de carbono. Também foram publicadas reportagens que apontam para situações de assédio e coação contra comunidades tradicionais, falta de transparência em negociações e acirramento de conflitos fundiários. Ainda há denúncias de projeto certificado pela Verra em que foi constatado trabalho análogo à escravidão para a realização de desmatamento em área que deveria ser preservada.
Empresas como Gucci, Salesforce, Shell, Audi, Uber, entre outras, já adquiriram créditos de carbono certificados por essa certificadora. A própria Verra admite problemas e aponta como desafios a pequena força de trabalho, o processo analógico e a necessidade de aprimoramento em suas metodologias e padrões. Conforme notas emitidas pela empresa, a organização já iniciou um processo de reestruturação e novas metodologias devem ser lançadas em 2025.
O CEO da Tero Carbon, Francisco Higuchi, defende a diversificação do segmento, já que o mercado de certificação de créditos de carbono é dominado por duas empresas internacionais. "A existência de mais certificadoras é benéfica para todos, inclusive para popularizar a área. Deve haver um crescimento significativo no setor nos próximos anos e é preciso um amadurecimento de toda a cadeia, com a entrada de novos atores e mais investimentos. Haverá espaço para todos", argumenta.
A Tero Carbon nasceu justamente com o objetivo de popularizar o mercado de créditos de carbono, por meio da certificação de propriedades com área a partir de cinco hectares, a preços mais competitivos do que os praticados pelas certificadoras internacionais. A empresa utiliza metodologias baseadas nas práticas de Mensuração, Reporte e Verificação (MRV) e métodos reconhecidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU. Seus métodos foram desenvolvidos respeitando as particularidades sociais e dos biomas brasileiros, com o apoio de instituições como a Federação Nacional das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM) e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Higuchi ainda ressalta a importância de haver certificadoras brasileiras. "O Brasil, por ser um país continental, com inúmeras diferenças culturais e de biodiversidade, merece um olhar específico para a sua realidade e para cada região. E, por ser a nação com maior potencial para geração de créditos de carbono, deve assumir um protagonismo", finaliza.
Tatiana Lima <tatiana@agenciamaverick.com.br>