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Fabricantes de autopeças têm desafios perante a transformação energética que bate à porta da indústria

Em entrevista exclusiva à AB, Cláudio Sahad, presidente do Sindipeças, fala sobre os desafios que a eletromobilidade e novas tecnologias


Paulo Braga

Assim como toda as montadoras, as fabricantes de autopeças também têm desafios perante a transformação energética que bate à porta da indústria. O segmento se prepara para a eletromobilidade, ao mesmo tempo em que aposta em inovação, em combustíveis renováveis e na retomada da competitividade.

Um momento emblemático e desafiador da indústria que o presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças) conhece bem. Em entrevista exclusiva à Automotive Business, Cláudio Sahad fala do papel fundamental do setor nestra transição energética, das demandas necessárias para que a indústria brasileira possa ser competitiva globalmente e de como a entidade desempenha tal papel. 

Você está no comando do Sindipeças quando a entidade completa 70 anos de existência. Como você caracteriza seu estilo como presidente? Tem sido um período de novas realizações?

Cláudio Sahad: Nas últimas décadas, a sucessão no Sindipeças tem ocorrido sem disputas. Meus dois últimos antecessores, Paulo Butori e Dan Ioschpe, integram o Conselho de Administração da entidade. Trabalhamos juntos, em processo de continuidade, privilegiando sempre as decisões em colegiado. As transformações que o setor automotivo enfrenta são velozes e constantes. Isso exige versatilidade e adaptação. Há diferenças de natureza pessoal que em nada interferem na principal finalidade do Sindipeças: difundir informação e ajudar as empresas associadas a identificar o que precisa ser feito para a perenidade do próprio setor. Todos sentimos muito orgulho de participar de uma entidade que acaba de completar setenta anos de existência. 

Como você encara o atual momento da indústria automobilística brasileira? 

A indústria automotiva está em grande transformação. Aqui e no mundo todo, aliás. Por ser indústria de ponta, com muita tecnologia, está sempre em movimento, mas nunca de maneira tão veloz como atualmente. No Brasil, temos de lidar com as mudanças tecnológicas e com problemas macroeconômicos, que sufocam o mercado com muita frequência, infelizmente. Apesar disso, somos resilientes. Entendo que a diversidade de nossa matriz para produção de energia limpa é uma grande vantagem que o Brasil possui. Se tivermos políticas públicas para explorar adequadamente esse potencial, nossa indústria de transformação pode dar um salto de qualidade, ocupando lugar de maior protagonismo global.

E quanto ao setor de autopeças? Quais os principais desafios enfrentados?

Em linhas gerais, os desafios do setor de autopeças são os mesmos a serem enfrentados por todos os outros setores da economia. Cito alguns, “da porta da fábrica para fora”, como costumamos dizer: necessidade de reformas estruturais, como a tributária; redução do custo Brasil, falta de segurança jurídica e patrimonial; custo da burocracia; linhas de financiamento em condições inadequadas; e falta de eficiência na infraestrutura logística. A curto prazo, precisamos reduzir os spreads nos financiamentos para compra de veículos zero km. Esses juros altos, somados à queda nos índices de confiança, têm sido a principal causa na queda das vendas e, consequentemente, nos baixos volumes de produção de veículos leves e pesados.

Como o setor enfrentou a pandemia e como tem sido o retorno à normalidade, com a volta ao trabalho presencial? Quais os ensinamentos do período de home office?

O setor de autopeças enfrentou muito bem o período da pandemia de Covid -19 e foi responsável pela manutenção da frota de veículos de serviço, como caminhões e ambulâncias, fundamentais durante todo o período de isolamento. Outro aspecto interessante é o fato de que segurança no chão de fábrica sempre foi pré-requisito inquestionável. Por isso, a adaptação ao distanciamento entre trabalhadores e o uso de equipamentos, como máscaras, foram facilmente implementados nas fábricas que mantiveram a operação. O home office veio para ficar. Talvez não de forma integral, mas muitas empresas descobriram que podem ter parte de seus colaboradores trabalhando de casa, durante alguns dias da semana. Isso, sem dúvidas, é um fator redutor de custos.

Como será o avanço em direção aos carros elétricos? O próximo passo serão os veículos híbridos? Qual será a velocidade dessas transformações?

Para que a migração para essas novas rotas tecnológicas seja feita de maneira justa, é fundamental que o regramento seja transparente e equânime. A previsibilidade e a igualdade de condições são indispensáveis para que os grandes investimentos, que já começam a ser feitos, ocorram também no Brasil. Quanto às autopeças destinadas a veículos elétricos, entendemos que a demanda interna só ocorrerá quando as montadoras começarem a fabricar tais veículos no Brasil, o que ainda não ocorreu. Somente a demanda efetiva irá movimentar a cadeia para a realização de investimentos. Por diversos fatores, sabemos que no Brasil o crescimento de veículos elétricos será mais lento do que em outras regiões do planeta. Porém, a produção de híbridos deve crescer, principalmente dos flex.

O Brasil caminha para ser o quarto maior produtor de lítio do mundo. De que forma isso vai afetar nossa cadeia de produção?

Sem dúvidas, além do lítio, o Brasil tem muitas das matérias-primas para a produção de baterias, que devemos privilegiar, em vez de exportar os minerais como commodities. Porém, não podemos nos esquecer de que essa produção hoje é dominada pela China, que está muitos anos à frente dos outros países, em termos de tecnologia e produtividade. Os Estados Unidos também possuem reservas de lítio e tentam impulsionar a produção local de baterias, mas estão se deparando com a dificuldade para obtenção das licenças ambientais para a mineração. Também é importante considerar que estão surgindo outros tipos de baterias, como as de sódio (elemento muito mais disponível do que o lítio, cuja extração é bem mais fácil) e as de estado sólido, que parecem ter vantagem econômica e, principalmente, de segurança e autonomia, em relação às de íons de lítio. Precisamos decidir qual dessas baterias deveremos produzir.

Como caminha a inteligência artificial no ambiente de negócios do Sindipeças?

O Sindipeças representa empresas de vários portes e origem de capital. Naturalmente, a necessidade de adoção de novas tecnologias depende da demanda dos clientes montadoras e do fôlego para investimentos dos fornecedores de autopeças. A entidade, como difusor de informações, acompanha o tema atentamente. Muitas empresas associadas estão avançadas nos temas da Indústria 4.0, IoT e IA. Mas também temos PMEs, que ainda têm longo caminho a percorrer nesse sentido.

Quais os planos do Sindipeças para apoiar os programas de inovação, digitalização e conectividade de seus associados?

O Sindipeças tem uma área dedicada à inovação, capitaneada pelo diretor Mauricio Muramoto. Chama-se Inova Sindipeças. Nossa principal missão é mostrar ao associado que inovar não significa necessariamente fazer grandes investimentos, mas melhorar o processo, na medida da possibilidade de cada empresa. Outra ação importantíssima é mostrar didaticamente quais são as fontes de financiamento disponíveis e como utilizá-las. Estamos em constante contato com as entidades gestoras do Rota 2030, um dos melhores programas do mundo para incentivo à inovação, que orgulhosamente ajudarmos a elaborar. Aguardamos agora a continuidade do Ciclo 2, que deve se chamar Mover. 

Qual o ponto de vista do Sindipeças sobre a política de biocombustíveis? Como fica a prioridade ao etanol diante dos esforços de eletrificação?

Defendemos a coexistência de várias rotas tecnológicas, que levem em conta as especificidades de cada mercado. O mundo é muito diverso, assim como são as fontes de energia. Os biocombustíveis, dentre eles o etanol, são uma de nossas grandes vantagens e já nos colocaram em posição destacada no campo da tecnologia para a redução das emissões de carbono. A eletrificação é um dos meios, que pode coexistir com outros, considerando-se nossas especificidades e até mesmo as condições socioeconômicas dos brasileiros. O Brasil pode ser um grande fabricante de veículos híbridos flex, abastecidos com etanol.

Qual será a estratégia do Sindipeças para estimular os seus associados Tiers 2 e 3 que têm enfrentado tantas dificuldades para sobreviver?

Eu não diria tão enfaticamente que os Tiers 2 e 3 têm “dificuldades para sobreviver”. É claro que, quanto menor a empresa, mais esforço tem de ser feito para que ela consiga investir em inovação e se manter informada sobre as mudanças do setor em que atua. Porém, somos uma cadeia longa, forte, com mais de sete décadas de existência. Sem as PMEs, que Paulo Butori gostava de chamar de “pés do gigante”, a indústria automotiva brasileira não existiria, pois essas empresas são os fabricantes de componentes e, portanto, a base da cadeia de fornecimento. Mas, naturalmente, há ações da entidade mais bem aproveitadas por esse segmento. Alguns exemplos: o Inova Sindipeças, que mencionei anteriormente, o Programa de Apoio à Governança Corporativa, o Banco de Currículos, todos eles dedicados à melhoria da competitividade.

Como você avalia a importância das práticas ESG para o setor de autopeças, tendo em vista as melhores práticas voltadas para o meio ambiente, sociais e de governança corporativa?

A sustentabilidade, em seu sentido mais amplo, já vem sendo discutida pelo Sindipeças e seus associados há muitos anos, desde quando esse tema não era tão relevante quanto atualmente. Um bom exemplo é o Fórum de Sustentabilidade do Sindipeças, evento anual que ocorre há 19 anos. O deste ano foi realizado no final de outubro, com o tema Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas. O programa, bastante diverso, reuniu representantes de diferentes setores da sociedade, como governo, empresas, entidades e até a Bolsa de Valores (B3). Além disso, as empresas associadas têm seus próprios programas. Trinta e noves projetos foram inscritos no Programa Sindipeças de Divulgação de Projetos de Sustentabilidade e três deles, apresentados à plateia durante o fórum. Esse é apenas um exemplo. Há várias outras ações da entidade, como promoção de webinars e participação ativa em políticas para o setor automotivo. Boa parte de nossas empresas já realiza os inventários de carbono, por exemplo. O Sindipeças também criou os Programas de Mentoria e de Apoio à Governança Corporativa, que estão disponíveis para todos os associados. Com relação à letra S, as empresas associadas têm cada vez mais empreendido ações sociais, voltadas principalmente para os colaboradores e a comunidade do seu entorno. Nesse sentido, também é importante lembrar que os pisos salariais do nosso setor estão entre os mais altos das categorias laborais de nosso País. Da mesma forma, as práticas de pagamento de bonificações e PLR são muito mais difundidas entre as empresas do nosso setor do que ocorre em outros setores da economia. 

Quais os seus planos para apoiar a renovação de frotas e a inspeção veicular?

Há mais de vinte anos o Sindipeças acompanha e participa ativamente dessa discussão. A inspeção técnica veicular e a consequente renovação da frota são importantíssimas para que se evitem acidente por falta de manutenção, preservar vidas e proteger o meio ambiente. Apoiamos integralmente essas ações e fazemos parte do grupo Coalizão Renovação da Frota, do qual também participam Anfavea, Fenabrave, Anfir, Fabus, Instituto do Aço, dentre outros, que tem frequentemente se reunido com o MDIC com o objetivo de apresentar propostas para a criação de programa perene de renovação de frotas. As tratativas estão caminhando muito bem.

Como será o avanço do programa Rota 2030 no que diz respeito ao setor de autopeças?

O Sindipeças trabalhou enfaticamente na elaboração do segundo ciclo do Rota 2030, com participação ativa nos diversos grupos de trabalho. Estamos aguardando ansiosamente a publicação da Medida Provisória do Mover, nova denominação do programa, que é fundamental para o setor de autopeças. Se o que for publicado guardar conformidade com o que foi consensuado entre as partes, deverão seguir os incentivos à inovação, PD&I e localização de componentes.

Você acredita na continuidade dos investimentos previstos para o Brasil no setor automotivo, diante das transformações que serão necessárias para manter a competitividade do País nesse segmento?

Sem dúvida. O Brasil tem todas as condições para consolidar sua posição de player mundial no setor automotivo. Além disso, podemos ocupar posição de destaque na produção de motores e veículos a combustão, que ainda permanecerão no mercado por muitos anos, e híbridos flex. As empresas multinacionais mais relevantes, montadoras e sistemistas, integram nossa cadeia produtiva há muito tempo. E isso não acontece por acaso, afinal, o Brasil tem cerca de 65 milhões de pessoas fora do ambiente de consumo. Esse número equivale à população aproximada da França, Inglaterra, Espanha ou Alemanha. Ou seja, temos um país dentro do Brasil, com pessoas carentes de consumo. Esse é o foco das empresas que já estão no Brasil e também das que estão chegando, com visão de médio e longo prazos.

Como tem avançado o projeto Brasil Auto Parts nos esforços de internacionalização do setor de autopeças? Como tem funcionado a parceria com a Apex Brasil e quais são as principais atividades estruturadas? 

O Brasil Auto Parts (BAP), nossa bem-sucedida parceria com a Apex-Brasil, tem mostrado ao mundo a qualidade das autopeças brasileiras e tornado possível, principalmente a nossas PMES, a participação em feiras internacionais a custos viáveis. E mais, trazemos ao Brasil importantes importadores de mercados indicados pelas próprias empresas participantes do projeto, para encontros de negócios e visitas a fábricas, no chamado Projeto Comprador, uma das ações do BAP.

  • Alguns números do BAP em 2023 em cinco feiras internacionais
  • Negócios realizados:  cerca de US$ 6,4 milhões
  • Expectativa de negócios nos doze meses seguintes ao evento: US$ 22,5 milhões
  • 2.622 contatos comerciais realizados
  • Rodada de negócios no Brasil (Projeto Comprador)
  • 14 compradores internacionais de 9 países 
  • 86 fabricantes brasileiros 
  • Negócios realizados: US$ 3,0 milhões
  • Expectativa de negócios nos doze meses seguintes ao evento: US$ 11,8 milhões
  • 576 reuniões realizadas
  • 16 visitas às fabricas brasileiras

Qual tem sido o apoio do Instituto Sindipeças de Educação Corporativa aos demais programas desenvolvidos pelo Sindipeças?

O Instituto Sindipeças de Educação Corporativa, que completou dez anos este ano, cumpre com excelência a missão para a qual foi criado: oferecer soluções educacionais para elevar a competitividade e a sustentabilidade do setor de autopeças. Sua organização e o conteúdo dos cursos baseiam-se nas demandas da cadeia automotiva. Entre seus principais objetivos estão o desenvolvimento de competências e a complementação da formação de gestores, especialistas e outros profissionais da cadeia automotiva. Capacitação é a base para qualquer evolução. Esse é um dos principais serviços do Sindipeças. 

  • Indicadores do Instituto Sindipeças, até novembro de 2023:
  • Número de cursos: 173 (abertos e in company)
  • Número de alunos: 2.449
  • Horas de treinamento: 20.957
  • Agenda para 2024: 80 cursos já programados (até dezembro/23)
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