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Evolução tecnológica dos veículos produzidos e comercializados no Brasil

Adiamento do debate sobre regulação energético-ambiental é obstáculo ao desenvolvimento de novas tecnologias e de um novo mercado


Bright Consulting

Por Paulo Cardamone

A evolução tecnológica dos veículos produzidos e comercializados no Brasil é governada por três programas regulatórios - Contran, Proconve e Rota 2030 -, que buscaram no passado se alinhar ao global e que orientam os requisitos de segurança, emissões de gases nocivos à saúde e de gases de efeito estufa - estes diretamente relacionados às mudanças climáticas e à busca pela mobilidade sustentável de baixo carbono.

O mundo enfrentou um momento de mudanças jamais imaginadas no final da década passada e os impactos da pandemia, da crise de suprimentos e logística e, agora, uma guerra inesperada, quebraram o conceito da globalização, permitindo diferentes graus de liberdade a países de alta predominância global como o Brasil na tomada de suas decisões estratégicas.

E é neste contexto que as grandes decisões sobre o futuro do setor automotivo brasileiro precisam ser tomadas imediatamente – o país perde com a falta de definição de sua política energético-ambiental.
Setembro último marcou o mês para qualificação das montadoras ao Programa Rota 2030, fase 2018-2022 com relação à segurança assistiva e eficiência energética.

A qualificação foi alcançada por todas as montadoras e o mercado como um todo evoluiu 12,6% em relação a 2018 que, em conjunto com os 15,5% de evolução durante o programa Inovar-Auto lançado em 2012, faz com que o consumidor brasileiro, em 10 anos, utilize-se de veículos 30% mais eficientes, resultando numa economia de combustível da ordem de R$ 18 bilhões e redução de emissões de CO2 de 35 milhões de toneladas, o equivalente ao sequestro de CO2 de uma mata do tamanho de 302 mil campos de futebol.

Carros a bateria não são a única resposta

Enquanto países desenvolvidos de alta renda como Alemanha e EUA, seguidos pela China, pressionam pela instalação de uma nova era no setor automotivo via baterização dos sistemas de propulsão, vimos no final do mês de setembro as contundentes declarações de Akio Toyoda, CEO da Toyota e maior montadora do planeta, sobre o porquê ele não está totalmente investido em veículos elétricos.

Akio acredita que a adoção de veículos elétricos será mais lenta do que muitos pensam, que os regulamentos de proibição de veículos a combustão interna serão "difíceis" de alcançar e, apesar das críticas, dobrou sua estratégia de continuar investindo em uma variedade de veículos eletrificados, em vez de apostar integralmente em carros e caminhões totalmente elétricos.

Confirmando as crenças de Toyoda, nossa visão para a aceleração das vendas de veículos eletrificados indica que apenas 30,3% das vendas globais e 10,2% da frota global serão de BEVs em 2030. Os argumentos de Akio reforçam a visão da Bright Consulting de que o melhor caminho para o Brasil é o de explorar suas competências históricas em biodiversidade e biocombustíveis e orientar o próximo ciclo do programa Rota 2030, de 2027 e 2032, com base nestas premissas.

O caminho para a descarbonização veicular no Brasil

Para tanto, governo e indústria precisam seguir um roteiro nas negociações que considerem a mudança do ciclo de medição para eficiência energético-ambiental passando do ciclo Tanque à Roda para Poço à Roda, consolidar as curvas de medição em duas sendo uma veículos de passageiros e SUVs e a outra para picapes e off-road, atualizar o novo baseline e a massa de referência.

É importante definir metas arrojadas, mas factíveis, nos próximos dois ciclos de 2027 e 2032 alinhadas ao conceito de mobilidade sustentável e descarbonização da frota de veículos pela qualificação futura das montadoras com incremento tecnológico. Essas ações buscarão incrementar a evolução da indústria, cuidando para que o rol de benefícios de eficiência energética relacionados a créditos de IPI fique em patamares razoáveis e contribuam para a evolução dos veículos com um menor custo para a sociedade.

Observando a fase que se encerrou em outubro, 75% dos veículos das curvas 2 e 3 foram beneficiados com 1 ou 2 pontos porcentuais de desconto IPI, o que comprova que a definição em 2018 para as duas curvas foi branda. Uma evolução futura de 14% para a curva 1 e 8% para a curva 3 nos próximos dois ciclos é necessária e deve ser objeto de consenso entre governo e indústria.

Também é necessário realinhar os multiplicadores de veículos eletrificados, incentivando com maior intensidade os veículos a célula de combustível e híbridos a etanol, fomentando soluções relacionadas a biocombustíveis, onde o Brasil tem excelente conjunto de alternativas e a maior expertise mundial.

Brasil precisa rever incentivos aos carros elétricos

A reconfiguração de impostos é ordem do dia, a começar pelo Imposto de Importação (II) para BEVs e híbridos em que a definição de imposto zero para veículos elétricos puros foi um erro legislativo: não trouxe benefícios à evolução da eletrificação no Brasil, gerou uma renúncia fiscal enorme para um segmento que representará 0,4% do mercado total ao final deste ano e que está vinculado a veículos premium de alto preço.

Quando comparados aos benefícios de países como Alemanha e EUA, a redução de 35% do II para zero podem representar até 2,5 vezes o incentivo ofertado naqueles países desenvolvidos e de alta renda, ou seja, um dos maiores, senão o maior incentivo do planeta. Por outro lado, a legislação de IPI sobre veículos à combustão é objeto de análise entre governo e setor.

A visão detalhada nos pontos acima levará a legislação brasileira a ser a primeira do mundo a considerar o ciclo poço à roda e a eficiência energético-ambiental média do mercado que, incluindo todos os veículos leves, atingirá 100g CO2e por quilômetro em 2027. Considerando veículos de passageiro somente, em outubro deste ano atingimos 103g CO2e no ciclo poço a roda contra 125g CO2e da Europa no mesmo ciclo de testes. Seguindo este caminho, estaremos já em 2030 cumprindo o compromisso do Brasil na COP26 de redução de 50% das emissões em relação a 2005.

Finalmente, criar um programa para frota sustentável com a troca incentivada de componentes críticos à segurança e melhoria da eficiência energética e de emissões que seria facilmente aceito pela população e menos doloroso aos políticos, até o dia em que programas de inspeção e segurança veicular estruturantes e permanentes possam ser uma realidade.

Adicionalmente, os recursos em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) advindos do programa Rota 2030 precisam assegurar o direcionamento para o desenvolvimento de células a combustível a etanol que será a grande vantagem competitiva do Brasil no futuro por ser tecnologia diretamente ligada à transformação de hidrogênio em eletricidade. São necessários US$ 6 milhões para que se desenvolvam protótipos funcionais em 12 meses e adicionais US$ 80 milhões em 36 meses para termos capacidade produtiva de 1 milhão de unidades de células de combustível SOFC para aplicação tanto nos veículos brasileiros quanto para exportação. Esses US$ 90 milhões são equivalentes ao volume de dinheiro para P&D não utilizado na fase atual do Rota 2030 por falta de projetos.

A Bright Consulting acredita em soluções diversificadas, com veículos elétricos a bateria como apenas uma das alternativas para produzir uma mobilidade mais sustentável e alcançar a neutralidade de carbono. O futuro será eclético e não elétrico, suprido por diferentes alternativas tecnológicas.

Paulo Cardamone é CEO da Bright Consulting.

*Este artigo traz a opinião autor e não expressa, necessariamente, o posicionamento editorial de Automotive Business.

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