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A Preocupação Em Reutilizar

O professor e engenheiro José Carlos Mierzwa, do CIRRA, comenta sobre preservação e controle da água nas residências, na agricultura e nas indústrias


O professor e engenheiro José Carlos Mierzwa, do CIRRA, comenta sobre preservação e controle da água nas residências, na agricultura e nas indústrias

por Tiago Dias

A Preocupação Em ReutilizarHoje em dia, conservação e reúso de água não são assuntos debatidos apenas entre ambientalistas e ecologistas. Dentro das indústrias, empresas e residências a crise de desabastecimento mundial é tema de debate e planejamento para preservação e controle.
Com o objetivo de promover e disponibilizar recursos técnicos e humanos para estimular essas práticas de conservação, e divulgar informações para a regulamentação da prática de reúso no Brasil, foi criado o Centro Internacional de Referência em Reúso de Água, o CIRRA, sediado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli – USP).
O Engenheiro José Carlos Mierzwa, Professor de Engenharia Hidráulica e Sanitária da Poli – USP, é coordenador de projetos do CIRRA, desenvolvendo estudos junto aos setores público e privado, e contando com a infra-estrutura laboratorial do centro, que permite desenvolver ensaios para tratamento de água e efluentes. Mierzwa diz que a aceleração do processo de recuperação, ou aproveitamento de uma água com qualidade inferior ao bem naturalmente encontrado, deve-se aos problemas de disponibilidade que existem para atender a demanda necessária, até mesmo na área agrícola. "A irrigação é uma atividade que demanda um grande volume de água e que não exige necessariamente um padrão de qualidade elevado", explica.
Segundo os dados da Agência Nacional de Águas, a ANA, 62,7% da utilização de água no Brasil está voltada à irrigação. Mas, segundo o engenheiro, embora o setor agrícola seja o maior responsável pela utilização da água, ainda não há programas de reúso sendo aplicados em grande escala. "Existem iniciativas das universidades que estudam a utilização de esgotos domésticos tratados para uso agrícola, um dos exemplos é o estudo desenvolvido por um Professor da Escola Politécnica em Lins. Além deste, existem pesquisas sendo desenvolvidas em outras regiões do País", comenta.
Uma iniciativa de reúso nesse setor aconteceu no Estado da Paraíba, município de Campina Grande, onde o CIRRA atuou visando a utilização dos esgotos
municipais tratados para irrigação de regiões próximas. Mierzwa diz que o reúso na agricultura depende da proximidade das áreas agrícolas com as estações de tratamento de esgotos, o que em geral não ocorre. "Deve ser destacado, no entanto, que o reúso inconsciente de água para irrigação ocorre muitas vezes com a utilização de esgotos sem tratamento - uma vez que os esgotos, tratados ou não, são lançados nos corpos d’água, o que é uma prática que apresenta riscos à saúde dos agricultores e consumidores", adverte.

A Preocupação Em ReutilizarIndústrias
Seguindo os dados no ANA, após a irrigação, o consumo de água potável fica com 17,9% da utilização, seguida dos 15% das indústrias e 5,4% para animais.
Com um crescimento contínuo no consumo de água, as indústrias são justamente um dos segmentos mais indicados para a reutilização. A maior parte dos pólos industriais possui algum tipo de atividade que poderia utilizar um sistema de reúso de água, em algumas delas o gasto representa mais de 70% do consumo do processo. O reúso pode acontecer nos processos de resfriamentos, por exemplo, e proporcionar economia nos custos de produção.
"Nos sistemas de resfriamento o volume de água envolvido diariamente é significativo e a qualidade da água não é tão restritiva, fazendo com que este sistema seja uma das principais opções para a utilização de água de reúso", explica Mierzwa. Segundo ele, não são apenas as indústrias que utilizam sistemas de resfriamento, mas prédios comerciais e Shopping Centers, pois são componentes essenciais em sistemas de ar condicionado.

A Preocupação Em ReutilizarResidências
Uma das outras aplicações que não requer água potável em uma residência é a descarga em sanitário, responsável por cerca de 29% de toda a demanda deágua de uma casa. Atualmente, principalmente em regiões altamente urbanizadas, como a Região Metropolitana de São Paulo, já existem empreendimentos novos que estão aplicando os conceitos de conservação e reúso de água. Segundo o Engenheiro, um dos exemplos é o empreendimento da empresa SETIN - Mundo Apto, que integra em seu projeto o reúso de água, provenientes de lavatórios e chuveiros, para descarga em sanitários, irrigação de áreas verdes e lavagem de piso. Outro exemplo é o Valville, em Santana de Parnaíba, condomínio horizontal que conta com uma rede dupla para distribuição de água potável e de reúso, e o sistema de tratamento de esgotos para a produção da água reutilizada. "Nestes dois exemplos o CIRRA teve participação como órgão assessor para o desenvolvimento dos projetos e definição dos critérios de reúso de água", comenta Mierzwa. "É importante destacar que estas iniciativas se referem às habitações multifamiliares ou estão inseridas em condomínios, uma vez que a aplicação da prática de reúso para residências individuais é mais complexa, em decorrência das exigências e cuidados que se deve ter".

Filtros ajudam na reutilização
As tecnologias de filtração são de grande importância para viabilizar a prática de reúso, pois em geral é necessário fazer o tratamento de efluentes, sendo que processos de filtração, desde os sistemas convencionais até aqueles onde se utilizam membranas, podem garantir o grau de qualidade necessário para o resultado final da reutilização.
"Já avaliamos programas de reúso no qual foi recomendada a utilização do sistemas de osmose reversa que, embora não seja um processo de filtração, amplia as opções para o tratamento de efluentes com vistas ao reúso. Além disso, as tecnologias de microfiltração e ultrafiltração vêm ganhando espaço como opções para tratamento de água e efluentes", conta Mierzwa.

Aqüíferos: reservatório de águas subterrâneas
Em países como a Holanda, Israel e Estados Unidos, existe uma relação diferente com a água tratada. Após o tratamento, ela é injetada de volta ao solo para recarregar os aqüíferos. A rocha permeável que apresenta a propriedade de armazenar e transmitir as águas subterrâneas entre seus poros ou fraturas é chamada de aqüífero. "A recarga artificial de aqüíferos fora do Brasil é bastante comum. O problema é a contaminação, que não está diretamente associada ao reúso de água, mas sim aos problemas de exploração inadequada ou contaminação do solo nas áreas de recarga. A contribuição dos programas de conservação e reúso de água está diretamente relacionada à redução da exploração dos mananciais", cometa Eng. José Carlos Mierzwa.
Para o engenheiro é necessário ter barreiras de segurança e monitoramente de forma que não comprometa o aqüífero subterrâneo, uma vez que a recuperação é muito difícil. O Aqüífero Guarani, por exemplo, é um dos mais extensos e abrange não só Brasil, como também a Argentina, Paraguai e Uruguai. A contaminação aqui poderia trazer problemas sérios.

A Preocupação Em ReutilizarÁgua de chuva
Em geral, o termo reúso está associado a utilização da água que tenha sido previamente utilizada em outra aplicação. "Neste contexto não é correto falar reúso de água de chuva, uma vez que esta ainda não foi utilizada, o mais correto é aproveitamento de água de chuva ou pluvial", explica Mierzwa, "Em função da importância deste tema na atualidade, a ABNT está desenvolvendo uma norma específica para sistemas de aproveitamento de água de chuva, que será editada em breve".
Em São Paulo existe a Lei das Piscininhas, mais conhecido como programa de controle de enchente. Esse decreto estabelece que toda edificação impermeabilizada acima de 500 m² deve construir um reservatório e captar 60% da chuva no período de uma hora. O volume deve ser armazenado por uma hora, para depois ser lançado na rede pluvial. Porém, essa água tem sido aproveitada na irrigação de áreas verdes, lavagem de pisos, entre outras atividades. Falta agora uma lei para utilizar essa água. Segundo as contas da ANA, a quantidade de chuva que cai durante um ano sobre um telhado de 100 metros quadrados em São Paulo, é suficiente para abastecer uma família de quatro pessoas durante seis meses.

Dessalinização
O coordenador de projetos do Cirra acredita que haverá a acentuação dos problemas críticos de abastecimento em algumas regiões, devido à demanda ou poluição dos recursos hídricos. "A água é a mesma desde que ela surgiu no estado líquido e se regenera pelo processo natural. A água do mar evapora pela energia do sol, as correntes de ar a trazem para o continente e ela precipita. Por meio da energia do sol ocorre a dessalinização", descreve.
Na sua opinião, se chegarmos a uma condição de não ter mais fontes, a saída será a dessalinização. Para isso podem ser utiliza-dos dois processos distintos, os mais comuns são a evaporação e a osmose reversa.
"A evaporação consiste em fornecer energia térmica para a água, fazendo com que esta evapore e deixe para trás as substâncias dissolvi-das. O vapor de água é então con-densado, obtendo-se água doce, ou seja, com baixa concentração de sais dissolvidos", explica Mierzwa. A osmose reversa é um processo baseado em fenômenos físicos e químicos, onde se utiliza uma membrana semipermeável e pres-são hidráulica para promover a se-paração dos sais dissolvidos. "Este processo baseia-se no fenômeno de osmose natural, no qual a água diluída passa através de uma membrana semipermeável, de uma solução diluída para uma mais concentrada. Só que na osmose reversa, com a aplicação de uma pressão hidráulica suficiente, o processo se inverte".

Leis e taxas
Algumas empresas já estão pro-curando opções de conservação e reúso, em primeiro lugar pelos problemas de escassez de água, pois uma quantidade limitada de água passa a ser disputada por um maior número de usuários. Isto por sua vez limita a capacidade de expansão das empresas ou a criação de novos empreendimentos imobiliários. A legislação sobre cobrança pelo uso da água, como ainda tem aplicação limitada, tem despertado a atenção da indústria para o assunto, mas ainda não tem criado uma demanda expressiva para programas de conservação e reúso. "Como o estado de São Paulo aprovou a lei de cobrança no final de 2005 e regulamentou em março deste ano, ainda vai levar um tempo para que se tenha algum indi-cativo dos efeitos de sua aplicação no desenvolvimento de programas de conservação e reúso", explica Mierzwa.
O maior problema é o conceito de água em abundância que as pessoas têm. Tão importante quanto à questão do reúso, é fundamental a conscientização de todos os setores sociais para conservação. Em qualquer lugar, é preciso avaliar os processos, identificar pontos de desperdício ou formas inadequadas de produção e reduzir o consumo de água.

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