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Sustentabilidade invisível? 50 anos de Estocolmo

Cerimônia reuniu ambientalistas históricos, celebrou os 50 anos da Conferência de Estocolmo, fez paralelo com a Constituição de 1988 e apontou desafios


Evento comemorativo do Dia Mundial do Meio Ambiente, ocorrido em 28/06, reuniu na sede da OAB-SP veteranos do movimento ambiental paulista. Organizado pela Comissão de Meio Ambiente da entidade, com o título “Sustentabilidade invisível? 50 anos de Estocolmo”, o evento também homenageou Fábio Feldmann, Deputado Constituinte, com atuação legislativa entre 1986 e 1998.

“Este é um evento estrelado, pois reúne as maiores autoridades da área ambiental do Brasil. Estamos aqui juntos, unidos e firmados com o objetivo de garantir a sobrevivência do meio ambiente porque, ao mesmo tempo, do outro lado tem um punhado de gente empenhada em destruí-lo”, disse a presidente da OAB-SP, Patrícia Vanzolini, durante a abertura da solenidade.

Segundo ela, no início da Faculdade de Direito se sentiu muito atraída pelo Direito Ambiental, antes de ficar fascinada pelo Direito Penal. “Mas naquela época, essa área do Direito ainda era um luxo. Com o tempo, a conscientização foi sendo sedimentada. Hoje, é evidente a necessidade de cuidar do meio ambiente para garantir todas as formas de vida.”

A presidente da OAB-SP ressaltou que sem o meio ambiente equilibrado não há lucro nem pobreza, incluído ou excluído, não há comunismo nem capitalismo. “Sem ele não há nada”, sentenciou. Neta do zoólogo e compositor Paulo Vanzolini, ela lembra que quando criança o ouvia afirmar que a Terra tem um limite de recuperação. “Para mim era assustador pensar que haveria um tempo em que teríamos de arcar com as consequências. E esse tempo chegou.”

Segundo ela, nas próximas eleições todos devem estar atentos e escolher candidatos que estejam realmente comprometidos com a questão ambiental. “O candidato deve ter um programa de governo que cuide dessa pauta, para que o Planeta sobreviva e se perpetue.”

Dar continuidade à defesa das mesmas causas nas novas gerações

A diretora-presidente da CETESB, Patrícia Iglecias, considerou o evento como uma oportunidade de falar dos 50 anos da Conferência de Estocolmo, além de homenagear Fábio Feldmann. “Ele foi um grande incentivador para que eu ocupasse o cargo de Secretaria de Estado do Meio Ambiente.”

A executiva lembrou que, posteriormente, Paula, filha de Fábio, trabalhou com ela como monitora, na Faculdade de Direito da USP. “Acho muito bacana quando conseguimos dar continuidade à defesa das mesmas causas nas novas gerações. O mesmo ocorre com minha filha, que cursa gestão ambiental na ESALQ. Isso demonstra que estamos formando as novas gerações, em especial, os nossos filhos. Essa homenagem é ímpar para mim.”

Ela recordou quando foi criada a Clínica de Direito Ambiental na Faculdade de Direito da USP, que contou com a presença de Feldmann e de Paulo Nogueira Neto. “Nós fizemos questão de dar o nome do professor Paulo Nogueira à nossa Clínica porque é muito bom homenagear as pessoas em vida. Por isso, acho fantástica essa oportunidade de homenagearmos alguém que fez e faz toda a diferença na área ambiental.”

Quanto aos 50 anos pós Estocolmo, Patrícia Iglecias avalia que a Conferência que reuniu mais de 100 países teve um viés ‘soft law’, ou seja, não impositivo. “Depois disso, a legislação brasileira se debruçou nos princípios que vieram da Conferência. Eles estão claramente presentes não só na Política Nacional de Meio Ambiente, mas também na Constituição Federal de 1988.”

Segundo a presidente da CETESB, o fato de a Constituição ter incluído o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações, e o direito de solidariedade, quebrou um paradigma jurídico no qual toda propriedade tem de ter um titular. “O Fábio foi fundamental para isso. Foi nosso deputado constituinte, ele teve a honra de participar da equipe que fez esse desenho. E hoje, a nossa salvaguarda é essa Constituição.”

A dirigente afirmou que não poderia deixar de relacionar que os princípios estabelecidos na Conferência de Estocolmo podem ser comparados com a atual agenda ESG. “Essa agenda nos traz um contexto muito mais propositivo que impositivo e isso não quer dizer que nós não vamos avançar, pelo contrário. Podemos avançar no contexto propositivo como, por exemplo, com o
Acordo Ambiental São Paulo.”

A executiva explica que o Acordo foi pensando diante da realidade muito ruim enfrentada pelo país a partir de 2019. “Obviamente, São Paulo não poderia deixar de ter atuação direta nas questões ambientais. Por isso, a proposta de um acordo a partir de um governo subnacional, um acordo voluntário para que o setor privado tivesse uma redução das emissões de gases de efeito estufa.”

Iniciado com 55 aderentes, o Acordo Ambiental tem hoje mais de 1.300 participantes. “O próprio PNUD é aderente e o coloca o Acordo como uma das melhores inciativas que deve ser fomentada para os demais Estados.”

Segundo ela, mesmo num momento ruim como a atual, é preciso atuar para mudar a realidade. “Assim como Fábio Feldmann e outras pessoas fizeram durante todos esses anos. Que a sua trajetória seja um exemplo para a geração que estamos formando e que nós, como pessoas, também possamos exercer essa influência.”

Momento verde

Organizadora do evento, a conselheira seccional e presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP, Rosa Ramos agradeceu a todos que se dispuseram a participar desse ‘momento verde’. “Vocês atenderam a um chamado. Precisamos repensar o uso dos bens ambientais sem os quais não vivemos. É um orgulho ter a mesa repleta de especialista que militam nessa área há tanto tempo.”

Em sua apresentação, Rosa Ramos salientou o papel das Comissões Permanentes de Meio Ambiente da OAB e cumprimentou o pessoal que atua nas seccionais. “Nossas palavras de ordem são governança, organização e disciplina nas ações. Criamos onze coordenadorias na Comissão de Meio Ambiente, dentre elas a de resíduos, recursos hídricos, energia renovável e áreas contaminadas.”

Segundo ela, a menina dos olhos da Comissão é o Acordo Ambiental São Paulo, assinado com a CETESB, que tem por objetivo a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Compreender e antecipar a dimensão planetária da questão ambiental

Fábio Feldmann agradeceu a homenagem e afirmou que a coisa mais importante na vida é ter amigos. “A prova maior de que eu tenho amigos é estar aqui com vocês. A nossa geração, como disse a Patrícia Iglecias, teve a capacidade de compreender e antecipar a dimensão planetária da questão ambiental.”

Como jovem advogado, Feldmann defendeu as vítimas da poluição de Cubatão, que naquela época era o polo petroquímico mais importante do Brasil. “Havia resistência de se aplicar multas e atrapalhar a arrecadação de São Paulo. Tive a honra de ser advogado dessas vítimas.”

Segundo ele, a Constituição de 1988 é Estocolmo. “Naquele mesmo ano houve o assassinato de Chico Mendes, muito semelhante ao que ocorreu com Bruno e Dom. Ninguém poderia imaginar que no Brasil de 2022, dois defensores do meio ambiente seriam assassinados da mesma maneira.”

Feldmann recordou que durante a Constituinte havia uma discussão sobre onde colocar as questões ambientais. “Não havia compreensão da sociedade brasileira de entender o meio ambiente como desdobramento dos direitos humanos, daí foi para o artigo 225 ‘todos têm direito ao meio ambiente equilibrado’, sendo que o ‘todos’ pode significar todos os seres vivos e não apenas os humanos.”

Administrador e advogado, Feldmann avalia que quem escolhe a profissão de advogado escolhe ter compromisso com a justiça, que inclui a justiça ambiental e hoje, a justiça climática. “Acho que é um compromisso de vida.”

Num mundo tão desafiador como o nosso, a nossa geração é a primeira a sofrer as consequências das mudanças climáticas. “Temos um compromisso ético com as demais gerações, esse é o compromisso fundamental da sustentabilidade. Cabe aos advogados o compromisso ético de militar, inclusive nos tribunais, na implementação da cidadania planetária. Esse é o grande desafio da advocacia no mundo, a defesa das futuras gerações.”

Segundo o ambientalista, hoje, a grande líder ambiental no mundo é Greta Thunberg. “Ela é a pessoa que fala para os jovens e fala a verdade, pouco ou muito pouco tem sido feito em defesa do clima. Devemos incorporar o espírito de luta e rebeldia da Greta e defender a justiça para as futuras gerações e é por isso que estamos reunidos aqui”, concluiu.

Participaram do evento, entre outros, a procuradora regional da República e coordenadora da Conexão Água – MP, Sandra Kishi; o advogado e secretário executivo de mudanças climáticas do município de São Paulo, Antonio Fernando Pinheiro Pedro; o deputado federal Rodrigo Agostinho; e o presidente da Fundação Florestal e diretor de Relações Institucionais da Associação Nacional dos Município e Meio Ambiente, Mário Mantovani.

Texto: Cris Olivette
Fotos: Pedro Calado

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