Os últimos anos se provaram bastante desafiadores para a indústria automobilística brasileira
Automotive Business -
Dos Estados Unidos à Indonésia, nações definem políticas de estímulo ao crescimento do setor e à recuperação pós-pandemia
A pedido de Automotive Business, Cristiano Doria, partner da Roland Berger no Brasil, compilou iniciativas que serviram ou servem de incentivo à indústria automobilística e, principalmente, de autopeças, de países como Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão e Alemanha. A seguir, David Wong, diretor da Alvarez&Marsal, descreve os cenários de incentivo na Índia e Indonésia.
Os últimos anos se provaram bastante desafiadores para a indústria automobilística brasileira, em grande parte por consequências da pandemia. De um lado, disrupções no fornecimento de peças críticas, como a crise de semicondutores, têm posto em prova a cadeia de suprimentos do setor.
Do outro lado, os níveis de demanda por veículos ainda seguem muito abaixo do normal, apesar de apresentarem pequenos sinais positivos no início de 2023. Não à toa, têm sido frequentes as paralisações em linhas de produção, para conter os estoques das montadoras – desde o início do ano já se somam oito paralisações.
Diante deste contexto, é de se perguntar quais incentivos podem ser oferecidos para apoiar a retomada de crescimento do setor, que compõe relevantes 22% do PIB industrial do país. Um olhar externo a políticas e programas implementados no exterior pode servir de exemplo e inspiração para o Brasil.
Avaliando países como Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul e Japão, o que se observa é uma tendência clara: desde a pandemia, novos incentivos fiscais, subsídios e investimentos em modernização foram somados a políticas já vigentes, com o objetivo de privilegiar e ampliar a competitividade da indústria local, ao mesmo tempo em que diminuindo sua vulnerabilidade às instabilidades globais.
A verdade é que não faltam exemplos de inspiração ao Brasil para o desenvolvimento de suas próprias políticas e incentivos para a retomada de crescimento da indústria automobilística e, por conseguinte, de autopeças.
E os primeiros sinais de novas iniciativas começam a surgir no novo governo. Recentemente foi anunciado um programa de corte de impostos para carros populares, que privilegia veículos com uma maior parcela de componentes produzidos localmente. A medida se alinha com a proposta do governo de neoindustrialização do país, fomentando setores nos quais já temos profundo conhecimento e vantagens competitivas, e que podem gerar um maior valor adicionado à economia.
Veja a seguir como seis países apoiam a recuperação do setor de autopeças:
1- Estados Unidos
Em termos de apoio fiscal e subsídios, os Estados Unidos servem de exemplo, tendo implementado duas principais medidas com o explícito intuito de promover o nearshoring (tendência de realocar fábricas, antes em países distantes, para mais próximo de seus mercados consumidores, diminuindo a probabilidade e impactos de disrupções na cadeia de suprimentos).
A primeira, o Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), implementado em 2018, obriga OEMs a certificarem-se de que 75% do aço e alumínio utilizados tenham origem na região para se qualificarem ao comércio livre de impostos.
Já a segunda e mais recente medida, o Ato de Redução de Inflação (IRA) de 2022, requer que a montagem final de veículos elétricos seja feita na América do Norte para serem elegíveis a créditos de até US$ 7.500. Além disso, a medida concede crédito fiscal de produção de manufatura avançada, para incentivar a localização da fabricação de baterias.
2- Japão
Além dos Estados Unidos, o Japão tem implementado políticas com o objetivo de repatriar sua indústria manufatureira, incluindo a automobilística. Mais especificamente, o país tem, desde a pandemia, implementado iniciativas para decentralizar produções anteriormente localizadas na China.
Assim, do US$ 1 trilhão incluso no plano emergencial anunciado pelo governo em 2020, US$ 2,33 bilhões foram alocados para a repatriação das manufatureiras, um suporte financeiro que cobria mais de 60% dos custos dessa operação. As rodadas de subsídios financiaram, dentre outros setores, produções de semicondutores e de peças para veículos elétricos.
3- Coreia do Sul
Já na Coreia do Sul, o governo tem adotado uma política bem proativa em prol da indústria local. Além de ter anunciado em 2023 subsídios a veículos elétricos, que podem ser até três vezes maiores para marcas locais, como a Hyundai e Kia, investimentos públicos têm sido realizados para a atualização e revitalização da indústria manufatureira do país.
É o caso da iniciativa Manufacturing Renaissance Vision que, desde 2019, vem estabelecendo um roteiro para várias áreas de projetos de P&D, programas de qualificação de mão de obra e subsídios para a atualização de fábricas.
4- Alemanha
De forma similar atua a Alemanha. Anos atrás, o governo anunciou o programa Industrie 4.0, com o objetivo de digitalizar as linhas de produção do país, por meio de financiamentos mistos público-privado. Já na pandemia, anunciou um novo pacote de estímulo de € 4 bilhões para apoiar a indústria automobilística, com um viés em eletrificação.
Dessa quantia, 50% foram destinados à adaptação de linhas de produção de autopeças, para atender o crescente mercado de veículos elétricos. O restante do pacote foi direcionado ao desenvolvimento profissional e tecnológico e a subsídios para a compra de veículos totalmente elétricos ou híbridos.
5- Índia
A Índia é um país que produz aproximadamente 5,5 milhões de veículos de quatro rodas, além de outros 21 milhões entre motocicletas e triciclos motorizados. Além disto, o país tem um consumo de petróleo de quatro vezes a do Brasil. Assim a Índia entende a necessidade de realizar uma transição energética não somente por razões ambientais, mas estrategicamente para ter relevância global e com isto implementa planos de desenvolvimento alinhados a estes objetivos.
A cadeia automotiva representa 35% do PIB industrial e é estratégica no impulsionamento de várias cadeias produtivas no país. Recentemente implementou o PLI (Production Linked Incentive) para incentivar novos investimentos para montadoras e autopeças que produzam itens de “tecnologia automotiva avançada” cujo produto final seja um veículo de emissão zero (BEV ou célula de hidrogênio)
O governo estabeleceu o valor do programa de incentivar com até INR 25,938 crore (US$ 3,5 bilhões) por 5 anos e objetivo de atrair INR 42,500 crore (US$ 5,8 bilhões). O resultado inicial gerou a atração de 75 novos investimentos (sendo 20 de montadoras) que já totalizaram INR 74,850 crore (US$ 10 bilhões).
Um dos principais objetivos estratégicos do programa é de reduzir a distância tecnológica do país com as mudanças tecnológicas da cadeia automotiva global e manter a Índia como fonte integrada da cadeia global dos futuros produtos automotivos.
6- Indonésia
A Indonésia passou de um país com produção de 300 mil veículos em 2000 para 1,47 milhões em 2022, sendo 1 milhão de mercado doméstico. O país elegeu o setor automotivo como estratégico para seu desenvolvimento industrial.
O objetivo é ser um centro de competência na produção de autopeças e permitir a inserção em cadeias globais/regionais de forma a ser o principal país para o investimento de montadoras para suprir o mercado regional ASEAN (Filipinas, Indonésia, Malásia, Singapura, Tailândia e Vietnam), que teve vendas de cerca de 3,5 milhões de veículos em 2022.
A política industrial foi redesenhada para o período 2015-35 com a visão de continuar a ser um país relevante na cadeia automotiva global e com a missão de propiciar o desenvolvimento de produzir veículos confiáveis, competitivos numa solução de indústria com sustentabilidade. O foco da política não visa a ser uma base exportadora, mas de relevância e inserção global, sendo que em geral a balança comercial do setor é neutra (períodos de pequenos superávits ou déficits), apoiada em três pilares:
• Melhorar a competitividade
o Fortalecendo indústrias da base (aço, borracha, plásticos, metais)
o Incentivos fiscais (paraíso fiscal, créditos presumidos)
o Aplicação do imposto de renda com investimentos em P&D
• Encorajar o desenvolvimento de produtos voltados à exportação
o Redução de tributos de importação temporária para CKD durante capacitação de fornecedores (2017 e 2018)
o Implementação de Euro 4 em 2017 para equalização regulatória regional
o Acerar implementação de normas de harmonização global para a região (MRA 2020)
• Desenvolver acesso a mercados de exportação através de acordos de livre comércio
o Prioridade I: Golfo Pérsico, Norte e Sul da África Oriental e Austrália
o Prioridade II: América do Sul
o Prioridade III: China (para autopeças)
A política para a indústria prevê um desenvolvimento em 3 fases temporais:
• Fortalecer a cadeia produtiva para suportar a produção de veículos ICE com competitividade (baixo custo)
• Desenvolver a cadeia e produzir motocicletas elétricas
• Iniciar a produção de veículos BEV (meta de 600 mil em 2030 e 1,0 milhão em 2035)