A eletrificação bate à porta da indústria automotiva
Automotive Business -
Em entrevista, Bárbara Miranda vice-presidente da Ipiranga, fala das mudanças no posicionamento da empresa e nos desafios do setor
A eletrificação bate à porta da indústria automotiva e isso impacta diretamente a cadeia de combustíveis. Mas claro que a chave não será virada de uma hora para a outra. É justamente neste “purgatório” em que o setor de distribuição de combustíveis está. E que se apresentou como desafio para Bárbara Miranda na Ipiranga.
Coube à vice-presidente de marketing e desenvolvimento de negócios da companhia distribuidora liderar o reposicionamento da marca. Isso em um ambiente onde a transição energética e a própria mudança de hábito dos clientes forçam novas estratégias não só em relação aos combustíveis tradicionais, mas inclusive dos postos de abastecimento.
Em entrevista exclusiva à Automotive Business, Bárbara conta como foi esse processo. Ainda mais para uma executiva com dois anos de “casa” e vinda de outras áreas. Formada em Comunicação Social pela Uerj, e com pós-graduação em Marketing e MBA em Business, ela tem mais de 30 anos de carreira, com passagens por Alpargatas, Embratel e Ambev.
Nesta conversa, ela explica o projeto que redefiniu a comunicação visual e o layout dos quase 7 mil postos Ipiranga para atender a diferentes modais e públicos. Bárbara fala também sobre a estratégia para o lançamento da nova linha de combustíveis aditivados Ipimax, como o setor de combustíveis brasileiro se prepara para um futuro eletrificado ainda pouco claro e dos desafios de ser uma mulher em um meio majoritariamente ocupado por homens.
Você liderou o reposicionamento da marca Ipiranga. O que a empresa buscou principalmente nesta mudança do layout e da comunicação dos postos?
Quando entrei na Ipiranga, em 2021, uma das missões que recebi é que a gente precisava pensar a visão desta companhia em uma jornada para o futuro. A companhia precisava ter clareza do seu propósito. A primeira percepção foi a de que o consumidor mudou de comportamento e que a pandemia acirrou isso. E que desenvolveu-se, ao mesmo tempo, uma digitalização e uma mobilidade com necessidade de multimodais nas grandes cidades, dentro de um mundo que tem necessidade de uma transição energética pesada.
Mas nesta mudança a Ipiranga não ressaltou muito a questão de eletropostos ou pontos de recarga para carros elétricos. Por quê?
Não existe uma única matriz energética e a solução para o problema de demanda de transição será multifontes. Além disso, não vai acontecer em 24 horas. Tudo que puder fortalecer o modelo atual e fazer com que ele seja saudável no futuro é o mais inteligente que conseguimos fazer por nós e pelos nossos parceiros de negócios, como a rede de revendedores e os clientes empresariais. A gente vem se movimentando no sentido de testar, aprender e reconhecer o movimento que nosso setor está sofrendo.
Quando se fala de mobilidade a gente pensa em carro elétrico, apesar das várias soluções que existem. Os postos preveem pontos de recarga de carros elétricos?
A gente já tem pontos de recarga elétrica. A amplitude é baixa, e estamos revendo todo o modelo. O que a gente aprendeu até agora é que, no cenário atual do Brasil, não tem um estudo que diga que o híbrido ou elétrico vai chegar, sequer, a 5%. Mas o que está muito claro é que a solução é para micromercados.
Os postos se adequarão à demanda da região?
Muito provavelmente em São Paulo, por exemplo, vão ter micromercados onde o elétrico será relevante. E tem outro ponto. Quem tem carro elétrico faz a recarga plena em casa, no trabalho, no shopping. A recarga do posto, hoje, é de conveniência. Então temos de aprender qual é o papel que esse posto vai ter no micromercado. Não temos a resposta, e sair investindo indiscriminadamente em massa não seria muito responsável da nossa parte. O que temos feito é colocar o ponto de recarga em determinada região, para entender o comportamento do mercado, medir e avaliar.
Mas como se dará esse processo?
A primeira coisa a se preocupar é onde e como monetizar. É muito simples dizer que vou botar milhares de carregadores, mas como isso para de pé? Outro ponto: existe frota? É de passantes ou de comunidade no entorno? Quando não se tem respostas para tudo isso, o mais adequado é testar, aprender e avaliar como vai escalar. Porque senão seria um movimento de imagem, o que não faz muito sentido. Mas está no nosso radar e o novo conceito de posto foi desenhado para prever o carregador elétrico.
Dentro deste cenário, como foi desenvolver essa nova estratégia para os postos e a marca?
Neste cenário, primeiro buscamos qual propósito deveríamos ter como Ipiranga. Temos 6.700 pontos, que têm gasolina, etanol, diesel, alguns pontos de recarga elétrica, mas podíamos vender qualquer coisa. No fim das contas, preciso garantir que todos os modais tenham as energias necessárias para cumprirem seu papel, e essa foi uma primeira visão.
Segundo, a jornada de um consumidor hoje é muito mais complexa, então olhar para o ponto de venda como também um ponto de serviços. E por trás disso tudo um esforço muito grande de trabalhar a digitalização dessa jornada, tanto para o ponto de venda como para o consumidor final, com o Conecta, que já está presente em mais de 1.100 postos e é um grande integrador de dados de todas as transações que acontecem entre posto, loja AMPM e unidade Jet Oil.
Nessa jornada que vocês decidiram adotar um novo slogan de “Abastecer a vida em movimento”?
É o nosso DNA de distribuidora de combustíveis, só que ampliado, porque posso abastecer de soluções, de energias e de tudo que o consumidor precisa na sua jornada. É uma marca muito cotidiana e abastecer a vida é garantir às pessoas possam contar com esse apoio na mobilidade. E quando falamos em mobilidade, chegamos no “movimento”. Ou seja: transportar e transformar.
Mas a empresa é muito conhecida pelo “Pergunta lá no posto Ipiranga”. Como é fazer essa mudança?
Na nossa cabeça o “Abastecer…” não é uma coisa necessariamente que vamos estampar nos comerciais. Institucionalmente vamos falar sobre isso, mas quando eu penso na campanha de consumidor final essa mensagem vai ser passada acompanhada do conceito de ser completo. Não vamos abandonar em momento nenhum o tom de voz da marca, o "Pergunta lá...", mas queremos que o consumidor perceba que a gente está próximo e abastecendo a jornada de mobilidade.
De que forma a nova linha de combustíveis aditivados se enquadra nessa estratégia?
Quando se decide ter muitas marcas, é preciso investir e falar sobre seus benefícios específicos. Fizemos uma pesquisa extensa e quantitativa e fomos entender os territórios mais valorizados pelo consumidor, e o resultado é que ele entende muito pouco o que é um combustível aditivado. Alguns acham que é caro, outros que dá mais potência. O que mais percebemos foi um vácuo grande no atributo de rendimento. Então, em vez de ter um monte de marcas, temos uma, a Ipimax, que é sinônimo de rendimento.
A indústria petrolífera é vista como vilã do meio ambiente. Como trabalhar uma imagem para o consumidor dentro deste contexto?
Temos dado visibilidade para isso na revenda. O posto novo foi pensado com práticas ESG. Temos projeto de iluminação que gerou redução de até 18% na conta de energia elétrica, criamos totens e testeira de ilha com a possibilidade de fazer manutenção sem qualquer tratamento que exigisse trabalho aéreo. Temos também projeto piloto para usar as lojas AMPM como ponto de coleta de latas e cápsulas de café. E a Ipiranga tem práticas sociais importantes, como o Saúde na Estrada, maior carreta ambulante de saúde do Brasil, e a capacitação anual dos 50 mil frentistas da rede.
Por falar em ESG, você está há dois anos na Ipiranga e em um setor conhecido pela baixa presença feminina e por ser machista. Quais desafios você enfrentou nesse sentido?
O machismo está presente no mundo corporativo de forma irrestrita. O setor é tradicionalmente muito machista, mas acho que dentro da Ipiranga temos a oportunidade de ter um ambiente muito aberto. Poucas vezes na vida tive um nível de liberdade e espaço para operar como tenho hoje. Tenho duas pares mulheres (vice-presidente de RH e CFO), e temos a primeira mulher diretora comercial de uma distribuidora de combustível. Isso fala muito como a cultura da organização não faz um trabalho de espaço para liderança porque acha legal ou porque quer que apareça no relatório de sustentabilidade.
E como essa diversidade é trabalhada dentro da empresa?
A liderança feminina é uma frente super importante. Apoiamos o futebol feminino, nossa equipa Ipiranga Racing tem a primeira engenheira de pista mulher, dentro da companhia temos o programa de trainees em que 70% do primeiro time de contratação foi ocupado por mulheres e projetos com essas profissionais para que passem por programas de mentoria, dentro do Women Speed. O esforço que a gente faz é ter consistência no que está fazendo, buscando novas frentes e melhorando o que tem.