A Aliança entre a Renault-Nissan
Automotive Business -
Velhas disputas entre as montadoras vieram à tona esta semana no Salão de Paris
A Aliança Renault-Nissan é um casamento longo, dura já vinte e três anos, mas não há relação que possa ser imune às demandas do tempo: com os anos, os gostos podem não ser mais os mesmos, assim como as convicções sobre pontos de vista outrora defendidos. O Salão de Paris, que começou esta semana, serviu para expor que o relacionamento dentro do grupo - que também tem pequena participação de um terceiro elemento, a Mitsubishi - não vai bem.
Rusgas do passado voltaram à tona, dando início às disputas e à continuação de uma longa novela e a mais uma rodada de queda de braço, que aqui é possível acompanhar em cinco capítulos.
1. A mão amiga de Carlos Ghosn
Em 1999, a Nissan flertava com a falência e encontrou na mão amiga de Carlos Ghosn, então executivo de renome egresso da Renault, a chance de se reerguer novamente no setor automotivo. A missão já havia sido executada por ele, e com sucesso, na própria Renault no início dos anos 1990.
Ghosn promoveu amplo programa de redução de custos, terceirizou parte da produção de peças, fechou fábricas pouco lucrativas e, assim, a Nissan voltou a respirar no mercado. Tempos depois, articulou a criação da aliança com a Renault em seguinte negócio: os franceses se comprometeram a comprar 36,8% da Nissan, que teria de comprar parte da Renault quando estivesse financeiramente melhor.
O que acabou ocorrendo em 2001, com a Nissan adquirindo 15% da Renault que, por sua vez, aumentou para 43% a sua fatia no capital da montadora japonesa. As operações ficaram maiores com a integração da Mitsubishi ao grupo em 2016, que vendeu 34% do seu capital para a Nissan, e o tamanho do grupo refletiu nas vendas: em 2018, de cada 9 veículos vendidos no mundo, 1 era de uma das marcas da aliança.
2. Quem é de quem?
Tudo ia bem até que os japoneses da Nissan começaram a se incomodar com o maior poder de decisão dos franceses nos rumos da companhia. Embora a Nissan tenha um valor de mercado maior, a Renault tem participação significativa de votos no conselho da montadora japonesa.
Isso provocou certo ressentimento, considerando que ter o controle da Renault poderia também significar que a França influenciaria nos caminhos de uma das principais empresas do Japão, considerando a fatia de 15% que o governo francês detém das ações da marca do losango.
Emmanuel Macron, hoje presidente da França, à época era o ministro da Economia e protagonizou uma série de medidas para que o país pudesse aumentar sua participação nos negócios da Nissan por meio da Renault.
3. O contragolpe
Em resposta, a Nissan ameaçou sair da aliança, medida que levou o seu CEO, Carlos Ghosn, a recorrer ao seu aclamado poder de negociação. Como condição para que o relacionamento seguisse seu caminho em paz, os japoneses pediram que a Renault vendesse sua participação controladora na Nissan, que poderia, assim, restaurar os direitos de voto dentro da organização.
Os franceses não apenas declinaram como exigiram que Carlos Ghosn articulasse um aumento ainda maior da participação da Renault nas decisões da aliança. O executivo conseguiu apaziguar os ânimos por meio de um compromisso que estabelecia que a Renault nunca se oporia às decisões do conselho da Nissan.
Quando as coisas pareciam entrar nos eixos, veio a inesperada e apoteótica prisão do executivo pelas autoridades japonesas, em 2018. A alegação era de evasão fiscal e uso indevido dos ativos da montadora por parte de Ghosn, mas há quem diga que pesou na decisão de prender o executivo o fato de ele estar articulando, naquele momento, uma fusão Renault -Nissan com controle francês.
4. Uma guerra nem tão fria
Com Carlos Ghosn fora de cena, a Nissan voltou a ter um executivo japonês à frente de sua operação, assim como a Mitsubishi, o que acabou por amenizar um pouco as tensões entre as partes. Não raro vinham a público falar que a dissolução da aliança era inviável, e houve até a assinatura de um memorando para que um novo conselho fosse criado para administrar o grupo.
Mas veio o Salão de Paris, e as feridas do passado parecem não terem sido cicatrizadas.
Na terça-feira, 18, o ministro das finanças da França, Bruno Le Maire, disse que haverá mais conversas entre o Estado e Luca De Meo, CEO da Renault, sobre a manutenção das vantagens industriais e tecnológicas da Renault sobre a Nissan dentro da aliança.
"Só queremos ter certeza de que as decisões tomadas pela Renault sejam do interesse da Renault em termos de tecnologias e plataformas", disse Le Maire em apresentação no salão.
5. Sem acordo, sem dinheiro
A Nissan, por sua vez, já deu indício de que percebeu que algo se movimenta nas hostes do seu par francês, tanto que, também durante a realização do evento, circulou a informação de que um eventual investimento seu na área de veículos elétricos da Renault estaria condicionado ao aumento da sua participação na aliança.
A jogada é estratégica porque o futuro da mobilidade nos grandes mercados globais gira em torno dos veículos elétricos, e a Renault precisa se capitalizar para investir na tendência. Há também uma batalha de interesses entre Renault-Nissan no campo dos motores a combustão, como mostra aqui o colunista Fernando Calmon.
Enquanto o futuro das empresas não se define, Renault, Nissan e Mitsubishi trabalham para que 80% de seus modelos sejam baseados em plataformas compartilhadas até 2026. Em qual clima organizacional isso se dará, não sabemos.