Pacto Global convida lideranças a firmarem compromisso com o crescimento sustentável
Automotive Business -
Prazos ficam mais apertados e o setor precisa se adaptar no Brasil caso queira garantir competitividade e relevância nas cadeias produtivas globais
No ano 2000 o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) Kofi Annan anunciou o Pacto Global, convidando lideranças de corporações privadas a firmarem compromisso com o crescimento sustentável, a proteção dos direitos humanos, da liberdade de associação e da diversidade. Diversas entidades públicas e privadas aderiram, assumindo também a responsabilidade prevenir os desafios ambientais, promover a responsabilidade social, difundir tecnologias sustentáveis e combater a corrupção. Até setembro de 2015, no entanto, apenas 71 empresas do setor automotivo haviam se tornado signatárias do Pacto Global.
Nesta mesma época veio a público o caso do Dieselgate, fraude nas emissões de milhões de carros da Volkswagen vendidos mundo afora. Ainda no mesmo ano, a ONU divulgou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 2030, que complementam o Pacto Global. Corporações foram convidadas a fazer esforços para reduzir as emissões de carbono até 2030 para prevenir o aquecimento global. Mesmo assim, a adesão das empresas do setor automotivo cresceu moderadamente, nos anos que se seguiram até 2019. Já de 2019 a 2020, o interesse das companhias do segmento pelo Pacto Global foi exponencial: hoje são mais de 260 empresas automotivas, sendo que 130 aderiram nos últimos três anos.
ESG passa a ser pré-requisito
O salto no interesse do segmento pelo compromisso com um futuro mais sustentável coincidiu com a pandemia, que trouxe um novo olhar para os temas ambientais, sociais e de governança - o ESG. O movimento convergiu ainda com a guerra da Ucrânia e a ampliação da consciência econômica de que o petróleo e seus derivados ficarão cada vez mais escassos e, por isso, os preços subirão.
Também nos últimos anos a tecnologia de baterias e carros elétricos passou a se mostrar viável como alternativa em escala global para o setor automobilístico a médio prazo, mostrando que, quem não aderir e se adaptar a essa nova era do segmento, poderá ficar aquém na competição internacional ou até mesmo desaparecer. Além dos veículos elétricos, a nova era envolve veículos mais eficientes, autônomos, conectados, tecnológicos, que se inserem em um mercado de venda direta e de mobilidade por serviço e não apenas produto. Nada como as velhas regras de mercado para dar uma forcinha no combate ao aquecimento global. O mundo agradece!
Agora, será que, além da adesão ao Pacto Global, as principais empresas do setor já tomaram as atitudes necessárias para efetivamente colocar a mão na massa? Traçar sua própria Agenda 2030 internamente, ter uma política ESG, indicadores, metas, aculturar e treinar as lideranças e as equipes, estabelecer os incentivos necessários?
Na pesquisa sobre agenda ambiental, social e de governança - ESG, feita no Brasil em setembro de 2022 com lideranças do setor automotivo, Automotive Business identificou que isso já é realidade para um pouco mais da metade das empresas do setor no país, que já têm uma agenda definida, com objetivos estratégicos e metas. Da outra metade, a maior parcela iniciou os debates sobre o tema mas não tem ainda uma agenda consistente e o restante das empresas simplesmente não trabalha a pauta ESG.
Vale lembrar: já estamos em 2022 e a agenda é para 2030! É muito relevante que todas as empresas do setor arregassem as mangas e ponham a mão na massa.
Por que é muito relevante? Os próprios entrevistados da pesquisa respondem: não é apenas importante para melhorar a imagem da empresa, mas a agenda ESG é propulsora de inovação no setor automobilístico e melhorará a produtividade e a motivação dos colaboradores, além de servir para atender a questões regulatórias. Já quem não investir em uma Agenda ESG 2030 de forma consistente enfrentará riscos para a estabilidade do negócio, problemas de imagem, branding, dificuldade de estabelecer parcerias, atrair investimentos, exposição ética.
O que entra na Agenda ESG
O que deve estar presente em uma Agenda ESG 2030 consistente? Os entrevistados dão igual importância, no campo da governança, aos temas de compliance e enfrentamento de corrupção e, no campo social, à diversidade e à inclusão. Já a área ambiental se destaca, com 68% dos entrevistados destacando a importância de tratar a “pegada de carbono” e investir na “economia circular”.
No setor automotivo, as duas coisas andam juntas: investir em novas tecnologias para reduzir a pegada de carbono dos novos veículos e criar incentivos e mecanismos para retirar do mercado os carros com a tecnologia antiga dando a eles um fim nobre e, até mesmo, viabilizando que efetivamente saiam do mercado. Já 21% dos entrevistados destacam que, na Agenda ESG 2030, não basta a empresa olhar só para si, deve também apoiar fornecedores e parceiros de negócios a terem também agendas sustentáveis.
Em que pese que a grande maioria dos entrevistados entenda a relevância da agenda ESG, eles ainda acreditam que o que estimula essa pauta são as matrizes estrangeiras, os consumidores, parceiros de negócios e investidores. Apenas uma minoria atribui as mudanças às lideranças locais das próprias organizações. Outros 3% dos entrevistados ainda não se convenceram da relevância de uma Agenda ESG 2030 consistente para as empresas brasileiras do setor.
ESG precisa estar na pauta das lideranças
Tendo em vista estes resultados, fica aqui um alerta às lideranças do setor automotivo brasileiro. Vocês são essenciais para o sucesso da Agenda ESG 2030. Não coloquem essa responsabilidade nas mãos de terceiros. O segmento representa quase 20% do total do produto interno bruto do setor de transformação do Brasil e é conhecido por seu impulso econômico expressivo em diversos outros setores da economia. Tudo bem, não podemos negar, trata-se de um segmento em que as decisões de investimento e compra são tomadas em âmbito global e as cadeias de fornecimento igualmente são formadas dessa perspectiva.
Por isso é ainda mais importante que as lideranças locais estejam inseridas nos movimentos mundiais, no contexto das tomadas de decisões, e que atuem dentro de suas organizações e junto às autoridades brasileiras para que as condições no país sejam favoráveis à transformação da indústria local para a nova era das tecnologias globais. Caso não sigam por esse caminho, o risco é de, no médio praco, termos uma indústria local sucateada, com talentos que precisam que procurar emprego no exterior.
Isso significa que as lideranças devem guiar o setor para a nova era global do setor automotivo, baseada em carros elétricos, autônomos, conectados, tecnológicos, venda direta, mobilidade por serviço e não produto. Só que no Brasil isso é menos importante, porque nós temos o etanol que, apesar de gerar carbono nas cidades, captura parte dele de volta no campo na produção da cana, não é verdade? Não é verdade, é relativo, primeiro porque as cidades aderirão aos objetivos de desenvolvimento sustentável e poderão vir a penalizar a pegada de carbono, também, em segundo lugar porque, reitero, o mercado é global.
De novo, estamos em 2022 e a agenda é de 2030. Que não seja por uma boa causa, que seja por sobrevivência, mãos à obra na Agenda ESG 2030 e em inserir o Brasil nas cadeias mundiais de fornecimento da nova era do mercado automobilístico.
Lavinia Junqueira é advogada, fundadora do Junqueira Ie Advogados. É reconhecida por sua experiência na estruturação de operações financeiras e de mercado de capitais, bem como por sua atuação em reestruturações societárias no Brasil e no exterior. É membro de Comitê de Auditoria da Totvs e do Comitê de Investimento do FIP Parques; bem como do Conselho Fiscal do Instituto Natura.
*Este texto traz a opinião do autor e não reflete, necessariamente, o posicionamento editorial de Automotive Business